Integrantes da equipe do ministro consideram a medida problemática
O novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, prepara-se para decidir se mantém ou não a portaria da PRF (Polícia Rodoviária Federal) que dá poderes para a instituição atuar fora das rodovias, a exemplo de ações em favelas.
Integrantes da equipe do ministro consideram a medida problemática porque pode extrapolar as atribuições constitucionais da PRF, que delimitam a atuação do órgão às estradas federais. Por isso, a tendência é que o ato seja alvo de análise.
Pessoas próximas a Lewandowski citam que juízes estaduais têm requisitado a polícia rodoviária para cumprir diligências e avaliam que isso não é atribuição da PRF. Membros da equipe temem que essas ações sejam anuladas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) pelo uso inadequado da força.
O tema, inclusive, permeou o jantar que o ministro Flávio Dino (Justiça) teve com seu sucessor no início da semana passada.
Aliados do novo ministro avaliam que é preciso que a atuação da PRF seja bem delimitada e que o papel institucional dela fique claro para evitar uso político da corporação.
A leitura é que ampliar as atribuições da instituição deu muitos poderes ao órgão e culminou em casos que mancharam a instituição. Um exemplo é a investigação que mira o ex-diretor da corporação Silvinei Vasques por suspeita de ter articulado uma operação para dificultar a votação de eleitores no Nordeste para prejudicar o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Vasques foi preso no ano passado por determinação do Supremo por suspeita de interferência no segundo turno do pleito.
Embora não haja definição sobre revogação da portaria, o próprio Lewandowski, quando era ministro do STF, votou para declarar inconstitucionais trechos dela.
O ato foi editado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em outubro de 2019. A norma autorizava a PRF a atuar em operações conjuntas e até a cumprir mandados de busca e apreensão.
O texto contrariou delegados da Polícia Federal porque permitia que a PRF participasse de ações de natureza investigativa, o que foi considerado uma invasão nas atribuições da corporação.
Os delegados recorreram ao STF, que, num primeiro momento, suspendeu a portaria, por decisão individual do ministro Dias Toffoli, então presidente da corte.
Depois, porém, o ministro Marco Aurelio Mello, reviu o ato do colega e liberou novamente a portaria. Posteriormente, em julgamento no Supremo, o ato continuou válido por seis votos favoráveis e quatro contrários, entre os quais o de Lewandowski.
O magistrado, à época, acompanhou o voto de Luiz Edson Fachin, para quem o texto extrapola as competências constitucionais da PRF por prever a atuação dela nas esferas “estaduais, distrital ou municipais”.
Depois da saída de Moro, em janeiro de 2021, o então titular da pasta, André Mendonça (hoje ministro do STF), editou nova portaria para retirar o trecho que causava discórdia entre as polícias. Ele manteve, no entanto, a permissão para atuar em operações conjuntas.
No governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), a PRF usou como pretexto a Lei do Susp (Sistema Único de Segurança Pública), sancionada em 2018, além de duas portarias, para permitir que agentes rodoviários subissem em morros e participassem de operações com polícias estaduais.
Foi com esse arcabouço legal que a PRF integrou as operações na Vila Cruzeiro (RJ), com 23 mortos, em Varginha (MG), com 26 mortos, e em Itaguaí (RJ), com 12 mortos durante a gestão de Bolsonaro (PL).
Quando tomou posse, Dino chego a dizer que iria rever a portaria. Na transição, ele disse que debateria um novo texto em que a PRF pudesse participar de operações integradas, no limite de suas competências.
“[Queremos que a PRF] volte a sua vocação primeira, prevista na Constituição, de garantir segurança viária, portanto não há base legal para que a PRF exerça outras funções”, disse.
Depois disso, houve a avaliação de Dino de que o efetivo da PRF poderia ser útil em algumas ações de seguranças e ele acabou não mudando a portaria.
O diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Antônio Fernando Oliveira, chegou a dizer à Folha, no ano passado, que a atuação da PRF seria restrita à competência originária, os limites da rodovia.
Mas, na sua visão, é possível também atuar fora das rodovias em apoio a outros órgãos.
“É possível em apoio a outra instituição. Como uma operação exclusiva da PRF, eu sou contrário”, destacou, na ocasião.
Pessoas próximas a Lewandowski disseram que ainda não é certa a permanência de Oliveira na instituição, mas avaliam bem a sua gestão, dizendo que a PRF voltou a funcionar de acordo com seu propósito original.
Segundo a Constituição, a PRF tem como função o patrulhamento das rodovias federais. A corporação, entretanto, assumiu novas responsabilidades e, com o desenvolvimento de tecnologias de inteligência, passou a atuar em operações com outros órgãos para coibir a exploração sexual e o trabalho escravo.
A PRF registrou diversas crises durante governo Bolsonaro, como a iniciada pelo assassinato de Genivaldo de Jesus, asfixiado em uma viatura da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Sergipe, em 2022.
O então diretor-geral, Silvinei Vasques, ajudou a consolidar uma mudança no eixo de atuação da corporação iniciada no governo Bolsonaro, priorizando operações de combate ao tráfico de drogas em detrimento da fiscalização de rodovias.
Foi por decisão de Silvinei que, no dia 3 de maio de 2022, a PRF revogou o funcionamento e as competências das comissões de direitos humanos.
No dia da eleição, o então diretor da PRF pediu votos para Bolsonaro nas redes sociais. Vasques publicou uma imagem da bandeira do Brasil com as frases “Vote 22. Bolsonaro presidente”. A postagem foi apagada.
A Polícia Federal o prendeu no ano passado em uma operação sobre as suspeitas de interferência da corporação no segundo turno das eleições de 2022.