O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire
Três anos depois da passagem do príncipe alemão Maximiliano de Wied-Neuwied pela foz do rio Itapemirim, ela foi visitada por outro naturalista europeu: o francês Auguste de Saint-Hilaire. O primeiro passou em 1815. O segundo em 1818. O primeiro não deixou muitas informações. O segundo escreveu mais do que se podia esperar, considerando-se que ele vinha do Rio de Janeiro em direção ao rio Doce, além de ter empreendido muitas outras excursões pelo Brasil. Lamentamos que Saint-Hilaire não desenhasse como Maximiliano. Portanto, contamos apenas com os registros escritos que fez de suas observações. As anotações comentadas estão no livro “Viagem ao Espírito Santo e rio Doce” (Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1974).
Para ele, o rio Itapemirim era apenas um riacho. Levando-se em conta os rios europeus, o Itapemirim seria um rio médio, já que o Paraíba do Sul e o Doce tinham o Reno como termo de comparação. O naturalista francês escreveu: “Estando a Vila de Itapemirim localizada à direita do riacho do mesmo nome e a fazenda do Capitão Francisco Coelho à margem esquerda, embarquei numa piroga, para atravessar a água. O riacho do Itapemirim está orlado de altas gramíneas e de arbustos do mais belo verde e se introduz por uma região plana e alegre, entrecortada de bosques e pastagens.” Hoje, nem tantas pastagens e nenhum bosque, porém uma grande cidade, que é Marataízes, mais concentrada na margem direita do rio e já se alastrando pela margem esquerda. Entre os rios Itapemirim e Macaé, dois núcleos urbanos são os maiores nas pontas do arco: exatamente Macaé, que já existia em 1614, e Marataízes, que se desdobrou da vila e depois cidade de Itapemirim, fundada no século XVIII. Se Campos, Itaperuna, Bom Jesus do Itabapoana e Santo Antônio de Pádua foram apontadas como grandes cidades dentro do arco, lembramos que nos referimos a cidades situadas nas pontas dele. Na barriga desse arco formada pela linha costeira, nenhum núcleo urbano alcança as dimensões desses dois. Que sejam examinados Carapebus, Farol de São Tomé e São João da Barra.
“Sentado em minha piroga, divisava no horizonte a cadeia de montanhas em meio à qual se levanta o pico chamado Morro do Frade, e via a Vila de Itapemirim, que, constituída de pequeno aglomerado de casas cobertas de palha, não parece mais que uma aldeia.”. De fato, a visão do espaço era mais aberta em 1818 e a vila de Itapemirim, como todos os núcleos populacionais da costa, constituía-se de casas com paredes de barro e telhados de palha. A engenharia popular usava um trançado de bambu ou mesmo de madeira retirada de plantas de mangue, bem mais abundante na foz do Itapemirim naquele distante ano, coberto com barro. O telhado era feito com tabua seca. Em São João da Barra, Açu, Quixaba, Barra do Furado e mesmo em Macaé, as casas eram erguidas segundo os princípios dessa arquitetura popular. Pena que essas casas tenham sido substituídas por casas de alvenaria. Nos pontos em que as casas de palha de se ergueram, algumas deveriam ter sido tombadas como patrimônio cultural.
“A Vila de Itapemirim está apenas em formação, mas o nome que tem, e que em guarani significa pequena pedra chata, foi dado a seu território pelos índios, provavelmente mesmo antes do descobrimento do Brasil, pois já encontramos citado no relato muito interessante de Jean de Léry, publicado por volta de meados do século XVI.” A rigor, em tupi, ita significa pedra; mirim é pequena e pe significa caminho. Daí Reripe, depois Leripe e finalmente Rio das Ostras. Reri, depois leri, significa ostra, marisco. Pe= caminho. Daí, caminho das ostras. O rio Benevente tinha o nome de Reritiba, ou seja, muitas ostras ou mariscos.
“É possível que nesta parte tivesse havido choças de índios ou cabanas de portugueses. Somente em junho de 1811 foi que se deu a Itapemirim o título pomposo de Vila”. Milliet de Saint Adolphe, outro francês, esclarece que “Um alvará de 7 de junho de 1815, conferiu a esta povoação e aldeia o título de vila do Brasil, dando-lhe por patrimônio meia légua quadrada de terra, com condição de fazerem os moradores por sua conta a fábrica da casa da câmara, cadeia e mais acessórios municipais.” (Dicionário geográfico, histórico e descritivo do Império do Brasil. Paris: Vª J. -P. Aillaud, Guillard e Cª, 1863) Itapemirim foi elevada a vila em 1815, ano em que por ela passou Maximiliano de Wied-Neuwied.
Saint-Hilaire prossegue: “O distrito que tem esta vila por cabeça de Comarca é administrado por dois juízes ordinários; começando em Santa Maria, que fica a meia légua de Cabapuana, do lado do sul, estende-se para o norte até a praia chamada Piabanha e não conta mais de nove léguas de sul para norte. Do lado do Oeste apresenta extensão ainda menor e é subitamente limitado por florestas que somente são habitadas por selvagens. A população inteira desse pequeno distrito sobe, como me disseram, à média de 1.900 almas.” Florestas e selvagens, ambos exterminados
Havia no Brasil paisagens modificadas que podiam encantar um europeu exigente. Numa igreja que se erguia no alto de uma colina, ele admirou “Alegre planície (que) se estende de todos os lados e apresenta um conjunto encantador de pastagens, bosques e terrenos de cultivo.” Mas “A Vila de Itapemirim, se não tem hoje grande importância, está destinada a adquiri-la, por sua posição. A entrada do rio, estreita e difícil, não tem na verdade mais de oito a nove palmos de profundidade; mas tal volume de água é suficiente para embarcações que carregam 60 caixas de açúcar e, às vezes mais; e essas embarcações, podendo voltar até pequena distância da vila, apanham o açúcar, por assim dizer, à porta de várias fazendas.” A navegação tornou-se mais problemática desde então.
“Os terrenos que margeiam o Rio Itapemirim, sem terem a milagrosa fertilidade das terras dos arredores de Campos, devem ser considerados, entretanto, muito férteis, pois permaneceram 20 anos sem nunca descansar jamais e sem serem adubadas. Produzem, igualmente bem, arroz, feijão e mandioca; mas é a cana-de-açúcar que interessa aos agricultores, pois sua cultura ocupa, principalmente, os habitantes da região. Na época da minha viagem, contei nove engenhos de açúcar nos arredores de Itapemirim, e várias outras colônias plantavam cana-de-açúcar sem ter moenda, remetendo sua colheita a qualquer proprietário de engenho, com o qual dividiam o produto.” Cabe ressaltar que, nos séculos XVIII e XIX, as terras entre os rios Itabapoana e Itapemirim foram usadas para o desenvolvimento de economia agropecuária mais ligada a Campos do que a Vitória. Em 1855, quando Campos pleiteou a criação de uma nova província, sendo a capital dela, Itapemirim não só apoiou o pleito como pediu para ser incorporada à província capitaneada por Campos.
“Os colonos das cercanias de Itapemirim cultivam algodão, mas para uso próprio. É justamente para o consumo da região que se planta arroz e feijão; todavia, não é raro que os agricultores venham a ter excedentes desses gêneros, que enviam para o Rio de Janeiro.” Era comum o plantio de produtos para consumo interno porque a compra deles onerava a população. No relatório do Marquês de Lavradio entregando o vice-reino do Brasil a Luís Vasconcelos de Souza, fica bem claro a importância da produção de produtos para consumo (Relatório do Marquês de Lavradio, Vice-Rei do Rio de Janeiro, entregando o governo a Luiz de Vasconcellos e Sousa, que o sucedeu no Vice-Reinado. Revista Trimestral de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tomo IV, 2ª ed. Rio de Janeiro: Tip. de João Ignacio da Silva, 1863.). “Atravessando os arredores de Itapemirim, fiquei admirado por ver tão grande quantidade de terras apropriadas à plantação de cebolas (…) “Enquanto na quase totalidade do Brasil e na Vila da Vitória, por exemplo, esse vegetal só vinga à custa de cuidados e quando a terra está estrumada, aqui, ao contrário, ele se multiplica com extrema facilidade, e é no lugar um ramo de exportação muito importante. De Itapemirim fazem-se remessas de cebolas para o Rio de Janeiro, a Vila da Vitória e Campos…” Será que essa informação foi observada pelos historiadores do Espírito Santo? Mais uma vez, nota-se a integração de um pequeno núcleo habitacional numa rede de relações grande, assim como o próprio Saint-Hilaire fará observação semelhante quanto à pesca em Meaípe.
Por fim, Saint Hilaire registra em seu diário: “Essa foz (do Itapemirim) é uma parte formada pelas areias que as águas amontoou e (…) não resta às embarcações outra passagem além de um canal estreito e difícil de 8 a 9 palmos de profundidade.” A situação se tornou mais crítica de lá aos dias que correm. O naturalista francês deixa Itapemirim em 4 de outubro de 1818 rumo a Vitória.