UM MILAGRE

Por Victor de Moura

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26/06/2018

Victor de Moura

Não se trata exatamente de uma besteira, mas da saga de um homem como empreendedor. E não, não é invencionice. Testemunhei.

Era o ano de dois mil e dez. Investi tempo, energia e alguns caraminguás em uma sociedade. Aprendi muito sobre o tal "mundo dos negócios". Mas, se minha experiência como empresário foi uma faculdade, o que via diariamente no trajeto casa-escritório foram várias pós graduações "stricto-sensu".

Para conter despesas, começamos a empresa num bairro um pouco distante da avenida, mas relativamente perto de onde morava. Havia algumas ruelas que serviam de atalho. Chegava ao escritório em menos de cinco minutos.

Em uma dessas ruas estreitas, um ponto comercial chamava a atenção. Primeiro por ser o único ali, rodeado por residências. As paredes chapiscadas combinavam com o cimento grosso do chão e a porta de ferro manchada com as soldas. Tudo cinza naquela obra inacabada. O destaque, no entanto, era a rotatividade de empreendimentos no local.

I) Locadora de videogame, daquelas à moda antiga. Àquela época, oito anos atrás, cresciam as bancas de CDs piratas e o acesso à internet estava cada vez mais popularizado. Todos podiam jogar em casa ou na casa de amigos. O negócio não prosperou.

II) Brechó: mais ou menos uma dúzia de roupas surradas com um cheiro desagradável que empesteava a rua num raio considerável. Era passar na calçada em frente ao ponto e tontear com a morrinha misturada ao cheiro da naftalina. Até que durou bastante. Quase uns dois meses.

III) Quitanda: o dono do imóvel juntou alguns caixotes e usou dos seus dotes de marceneiros (teria ali funcionado, também, uma marcenaria?) e construiu as bancas para expor as frutas, verduras e legumes. Porém, o aspecto improvisado e não muito higiênico do local, afastava a clientela. Fechou.

A vendinha acabou literalmente da noite para o dia. Naqueles que se sucederam, a última tacada do empreendedor:

IV) Igreja: não sei se ele desmanchou as bancas da quitanda para fazer os bancos, mas eles estavam lá. Uns cinco. E um púlpito também. O sujeito agora vestia um terno cinza, para não contrastar com o ambiente, e maior que ele (imagino que remanescente do brechó) e segurava uma Bíblia.

Pouco tempo depois, mudamos o nosso endereço. Não sei se o milagre aconteceu para aquele homem.

 

*Victor de Moura é formado em História pela UFJF e professor na rede pública escolar de Marataízes

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