SOBRE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE GUARAPARI

Por José Amaral Filho

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17/09/2023

José Amaral Filho

Antes de tudo é preciso uma análise sobre dois pontos distintos, um de caráter macro, que deve ser abordado de forma universal por se tratar de um conceito que independe da vontade de seus atores e outro micro, pois se refere a um ponto específico sujeito a todas as interferências locais. O primeiro é o conceito de emancipação política  e o segundo as evoluções político administrativas de Guarapari.

A palavra “EMANCIPAÇÃO” é unanimemente definida por vários dicionaristas como um ato de libertar. Etimologicamente vem do latim emancipatĭo:

“Emancipação é um substantivo feminino. A palavra vem do Latim emancipare, que significa “declarar alguém livre” (ex-, que significa “fora” e mancipare, que significa “entregar, transferir, vender”), que por sua vez vem de mancipium (“qualidade de proprietário”, de manus (“mão”).

O significado de Emancipação é abordado com a ação de tornar-se ou ser livre ou independente.

Normalmente, o termo emancipação é utilizado em contextos de libertação, seja de alforria (emancipação de escravos), seja de emancipação política, emancipação da mulher, entre outros.[1]

“emancipação

e·man·ci·pa·ção

sf

1 Ação ou efeito de emancipar(-se).

2 Movimento de libertação; alforria, independência.

3 JUR Instituto jurídico brasileiro que proporciona direitos civis à pessoa maior de 18 e menor de 21 anos.[2]

“emancipação

Significado de Emancipação

substantivo feminino

Ação de ser ou de se tornar independente, livre; independência: o Estatuto deveria prever a emancipação das mulheres.

Qualquer tipo de libertação; alforria: emancipação de escravos.

Ação de deixar de estar sob a tutela dos pais: emancipação de menores.

Ação ou efeito de emancipar, de se tornar livre.

Etimologia (origem da palavra emancipação). Do latim emancipatio.onis.

Sinônimos de Emancipação

Emancipação é sinônimo de: alforria, libertação, independência, liberdade

Definição de Emancipação

Classe gramatical: substantivo feminino

Separação silábica: e-man-ci-pa-ção

Plural: emancipações[3]

O termo “Emancipação política” foi abordado pela primeira vez em 1843 como referencia a situação da população judaica na Prússia em um ensaio escrito por Karl Marx intitulado “Sobre a Questão Judaica” onde:

“O limite da emancipação política fica evidente de imediato no fato de o Estado ser capaz de se libertar de uma limitação sem que o homem realmente fique livre dela, no fato de o estado ser capaz de ser um Estado Livre sem que o homem seja um homem livre.[4]

O termo é amplamente difundido no Brasil, pois teve a maior parte de suas cidades desmembradas de localidades primitivas, muitas dessas originarias em aldeamentos e vilas como é o caso em foco. Como é uma questão de fato, muitas dessas aldeias e vilas não passaram por processos emancipatórios, mas sim emanciparam localidades, paróquias, distritos, bairros que por questões geográficas, econômicas, políticas, sociais e culturais em algum momento de sua existência se separaram administrativamente de sua localidade de origem. Por tal é possivel então afirmar que o Brasil se emancipa em 1822 quando se declara independente de Portugal, mas não podemos afirmar no entanto, que o Espírito Santo passa pelo mesmo processo, pois o mesmo não se desmembrou do Brasil e teve sua origem em uma capitania hereditária, tendo passado por processos de conquista de autonomia sem portanto haver a necessidade de se tornar independente, mas fazendo parte de uma federação de estados.

Com a promugação da Constituição Federal de 1988, várias localidades conquistaram autonomia política, muitas dessas ex distritos que em alguns casos se desenvolveram até mais que suas sedes administrativas devido a diversos fatores próprios. Cabe ressaltar que emancipação política está diretamente ligada a autonomia administrativa e não jurídica, como é comumente confundido. Com isso é muito comum termos municípios que possuem todas a estrutura administrativa com Prefeituras e Câmaras, mas que não possuem autonomia jurídica e estão ligados a comarcas de outra cidade da região. Segundo a Lei Complementar 234 de 18 de abril de 2002, para ser uma comarca é necessário:

“Art. 6º A criação de novas Varas dependerá da ocorrência cumulativa dos seguintes requisitos: (Redação dada pela Lei Complementar nº 788, de 19 de agosto de 2014).

I – população mínima da Comarca de 30.000 (trinta mil) habitantes;

II – distribuição anual média de 4.000 (quatro mil) processos na Comarca, no último triênio; e

III – distribuição anual média de 2.000 (dois mil) processos, no último triênio, na Unidade Judiciária a ser desmembrada.[5]

De acordo com a legislação muitos municípios estão JURIDICAMENTE ligados a outras comarcas por não cumprirem os requisitos mínimos necessários para serem comarcas.

A falta de aprofundamento entre as definições que diferem Administração Pública e Administração Judicial, levou a propagação de mais um mito que macula a História local: a de que Guarapari já pertenceu à Anchieta. Mito esse que até os dias atuais são amplamente divulgados até mesmo em sites oficiais como os da Câmara Municipal e da Prefeitura, não tendo essas duas instâncias do poder público sequer checado as informações históricas, confrontando-as com documentos, mas apenas aceitando o que teria sido escrito por um antigo pároco da cidade, o Pe. Antônio Nunez. Nenhum documento anterior faz referência a cidade como pertencendo administrativamente a qualquer outro local e também não há nenhum ato de criação do município de Guarapari o desmembrando de outra localidade. Para compreender essa hipótese é necessário fazer um retrospecto da História Jurídica da cidade, um tanto confusa devido as idas e vindas entre várias comarcas. Em 1835 são criadas as comarcas de São Mateus e Itapemirim à qual passam a pertencer os municípios de Guarapari e Benevente. A lei n° 13 de 21 de julho de 1866 transferiu o município de Guarapari para a Comarca de Vitória, mas este decreto foi revogado posteriormente pela lei n° 1 de 14 de outubro de 1870. Quando foi estabelecida a Comarca de Iriritiba, em 27 de novembro de 1872.

Trecho do relatório do presidente da Provícia Luiz Eugênio da Horta Barros  de 1874, p. 06

No ano de 1871, a atuação da Câmara de Guarapari já é citada no Relatório do Presidente da Província Francisco Ferreira Correa, o que mostra também que jamais estivemos ligados a outra localidade, inviabilizando então a chamada “emancipação política”, 18 anos antes dessa suposta emancipação ter ocorrido. Mas, o que mais surpreende é o fato de não existir qualquer documento que se refira ou ateste um processo emancipatório, como corre nos municípios onde esse processo ocorreu, como por exemplo com nosso vizinho Marechal Floriano:

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

LEI Nº 4.571

O GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO

Faço saber que a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1° – Fica criado o Município de Marechal Floriano, constituído da área dos atuais Distritos de Araguaia e Marechal Floriano, com sede no Distrito do mesmo nome.

Art. 2° – O Município de Marechal Floriano fica pertencendo à Comarca de Domingos Martins.[6]

Trecho do relatório do presidente da Provícia Francisco Ferreira Correa  de 1871, p. 63

Em 1891 há a criação da Comarca de Guarapari, suprimida em 1917 e incorporada a de Benevente. Em 1938 foi incorporada a comarca de Alfredo Chaves e em 1943 retorna a comarca de Benevente até que em 1949 é instalada definitivamente a comarca de Guarapari. Percebe-se então que em nenhum momento Guarapari perde sua autonomia administrativa, permanecendo como vila de 1679 a 1889. Segundo José Teixeira de Oliveira:

“Segundo documento de 1787, pertenciam à vila da Vitória os seguintes distritos: Maruípe, Capoeira Grande, Iucu, Campo Grande, Murundu, Sant’Ana, Carapina, Serra, Praia, Caraípe, Boapaba, Curipe, Una, Taiobaia, Itaonga, Jacariacica, Cangaíba e Maricarã; a Guarapari: Meaípe, Ubu, Moquiçaba, Aldeia Velha, Morrinho, Itapemirim e Perocão.[7]

Trecho do relatório do presidente da Provícia Carlos de Cerqueira Pinto  de 1867, p. 09

Ao contrário do que se afirma em relação a Guarapari ter pertencido a Anchieta, pode-se notar que o termo da vila de Guarapari era extenso e abrangia localidades hoje pertencentes a esse município como Maimbá e Ubu e até mesmo Itapemirim, tratado então como distrito de nossa vila.

Trecho do relatório do presidente da Provícia Francisco Ferreira Correa  de 1871, p. 11

Além da farta documentação que comprova a não ligação administrativa de Guarapari a outra localidade, outras fontes apontam sua existência já em 1555, como a carta do padre Francisco Pires SJ ao Pe. Manoel da Nóbrega na qual é mencionada a presença da tribo dos índios Guará. Nessa carta fala-se do assentamento da tribo em local próximo ao litoral para que fosse mais fácil o envio de forças de Vitória caso necessário algum socorro devido a ataques de tribos rivais. Os índios Guará eram originários da atual cidade de Niterói e tinham como cacique Guarauçú – Cão Grande, que por sinal seria o mesmo Araribóia, herói na batalha que libertou o Rio de Janeiro da invasão francesa que pretendia instalar a França Antartica. Essa tribo teria migrado após um acordo entre Vasco Fernandes Coutinho, donatário da capitania e o Pe. Bráz Lourenço SJ, jesuíta à época que se encontrava no Espírito Santo.

(Fragmento da carta do Pe. Francisco Pires ao Pe. Manoel da Nóbrega onde fala sobre a situação dos índios Guará.)

Essa carta se trata do documento mais antigo que trás referência direta a Guarapari como uma localidade que já era constituida no início da segunda metade do século XVI, podendo ser considerada a certidão de nascimento da cidade. Outra referência que não podemos deixar de mencionar é a Igreja de Nossa Senhora da Conceição também conhecida como Matriz Antiga. Essa igreja é a antiga capela de Santana construída pelos jesuítas e que mudou de invocação em 1754. Uma de suas paredes externas ostenta uma imponente placa de tombamento pelo IPHAN e a data de conclusão da obra – 1585.

O nome de Guarapari também é amplamente lembrado por ninguém menos que São José de Anchieta. Após o mesmo se recolher para passar seus ultimos anos na então aldeia de Reritiba, atual Anchieta, onde passa a dedicar sua vida a literatura e a dramaturgia, dedica parte de seus autos a aldeia de Guarapari, tornando-a, ao lado de Anchieta, um dos berços dessas artes do Brasil. Mas, ao contrário de nossos vizinhos, nossas administrações tentam de forma injustificável negar esse glorioso passado.

Outra boa fonte são as cartas geográficas. Desde o século XVI já destacam a existência de Guarapari, o que evidencia até mesmo uma certa importância que leva a aldeia a ser inserida nos mapas dos séculos subsequentes. Uma dessas cartas é a de Fernão Vaz Dourado que antecede ao ano de 1580.

Carta geográfica atribuida a Fernão Vaz Dourado – Meados do século XVI.

Detalhe da mesma carta geográfica onde pode ser observado o nome Guarapari.

Não só Fernão Vaz Dourado põe Guarapari em seus mapas, mas também um dos principais cartógrafos reais portugueses do século XVII, João Teixeira Albernaz não só situa Guarapari, mas também destaca em sua carta a vila, a serra e os engenhos de Marcos Fernandes Monsanto que mais tarde darão origem às fazendas do Campo e do Engenho Velho que 1769 se tornaram palco de um dos mais importantes levantes de escravos que cumina na chamada República Negra descrita em 1815 por Maximiliano de Vied e Newvied, príncipe austríaco e naturalista que viaja pelo Brasil descrevendo suas peculariedades e mais tarde acompanha o imperador D. Pedro II em sua visita ao Espírito Santo com passagem por Guarapari.

Detalhe da carta geográfica de João Teixeira Albernaz de 1671 onde se vê representada Guarapari, a serra hoje chamada de Buenos Aires e os engenhos de Marcos Fernandes Monsanto.

Parte da Carta geográfica de João Teixeira Albernaz de 1671.

Com base na documentação histórica, fontes bibliograficas e estudos anteriores, conclui-se que de fato Guarapari não passa por processo emancipatório, mas por evoluções administrativa, cabendo às autoridades municipais realizar a reabilitação histórica de nossa cidade.

Bibliografia:

ANCHIETA, José. Cartas: informações fragmentos históricos e sermões. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

FRANKLIN LEAL, João Eurípedes. Catálogo de documentos manuscritos e avulsos da Capitania do Espírito Santo : 1585-1822. Vitória : Arquivo Público Estadual, 2000

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo IV. Editora Itatiaia. Belo Horizonte. 1945.

LEITE, Serafim. Cartas dos primeiros jesuítas no Brasil: 1553-1558. Tomo II. 1953

MARX, Karl. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.

MORENO, Luciano. Itapemirim: como tudo começou. 1ª Ed. – Serra: Formar, 2017.

OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito. 3 ed. – Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Secretaria de Estado da Cultura, 2008.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Espírito Santo e rio Doce. São Paulo, Edusp/Livraria Itatiaia

WIED-NEUWIED, Maximiliano. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte. Itatiaia (1942)

LEI COMPLEMENTAR Nº 234, 18 DE ABRIL DE 2002

www.ape.es.gov.br

www.culturamaratimba.blogspot.com.br

www.significadosbr.com.br/emancipacao

michaelis.uol.com.br/busca?id=daYw

www.dicio.com.br/emancipacao/

www3.al.es.gov.br/Arquivo/Documents/legislacao/html/LO%20N%C2%BA%204571.html


[1] https://www.significadosbr.com.br/emancipacao

[2] http://michaelis.uol.com.br/busca?id=daYw

[3] https://www.dicio.com.br/emancipacao/

[4] MARX, Karl. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010

[5] LEI COMPLEMENTAR Nº 234, 18 DE ABRIL DE 2002

[6] http://www3.al.es.gov.br/Arquivo/Documents/legislacao/html/LO%20N%C2%BA%204571.html

[7] OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito. 3 ed. – Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, Secretaria de Estado da Cultura, 2008. p. 249

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