De modo geral, os rios na região Sudeste correm do interior para a costa. Há exceções a essa regra. Existem rios que correm para o interior, como o sofrido Tietê, até chegar ao mar por visas complexas. O rio Benevente também foi ocidentalizado, como quase todos os rios pequenos, médios e grandes do Brasil. Ele tem apenas 80 km de extensão, nascendo à cerca de 1440 metros de altitude. Por aí, pode-se avaliar a sua declividade.
Como o Itapemirim e o Iconha, toda a sua pequena bacia era coberta de florestas, restando delas ainda alguns vestígios. Na foz, estende-se um vigoroso manguezal. Para os primeiros colonos, parecia impossível subir o seu vale. As florestas e os índios os assustavam. Então, eles se limitaram à foz. Nela ergueu-se Benevente, um dos mais antigos núcleos coloniais, datando do século XVI. Ali, foi fundado um convento em que o missionário José de Anchieta viveu parte de sua vida. Pouco mais acima do rio, os Jesuítas construíram um convento, restando dele apenas ruínas atualmente.
Ao passar pelo local, em 1815, o príncipe alemão naturalista Maximiliano de Wied-Neuwied escreveu: “Cavalgamos por uma região montanhosa, com matas e campos alternados, e chegamos, à tarde, a uma última elevação, à beira do rio Benevente, donde súbito descortinamos formoso panorama (…) a Vila Nova de Benevente; à direita, o espelho azul do oceano, e, à esquerda, o rio Benevente, que se espraia como lago; em derredor, soberbas e sombrias matas e, atrás destas, montanhas rochosas fechando o horizonte.” A esse tempo, o rio era mais conhecido pelo nome de Reritiba, que, em tupi, significa muitas ostras. A paisagem encantou tanto a Maximiliano que ele a registrou num desenho sem retoques posteriores.
Auguste de Saint-Hilaire passou pelo mesmo local em 1818, atravessando o rio de canoa, enquanto os animais de carga e de montaria o atravessaram a nado. O naturalista francês ficou encantado com o rio e com as matas. Pouco a pouco e por diversos caminhos, os colonos foram subindo a bacia, tanto derrubando as exuberantes florestas para obtenção de lenha e madeiras nobres, quanto para plantar café, principalmente. Novas levas de imigrantes europeus, principalmente italianos, chegaram ao Espírito Santo e subiram as encostas, erguendo fundações urbanas.
Em seu pioneiro “Dicionário geográfico, histórico e descritivo do Império do Brasil”, cuja edição data de 1863, Milliet de Saint-Adolphe registra a vila de Benevente e o rio de mesmo nome como “chamado dos Índios Iriritiba, e por corrupção Reritigba. Nasce na cordilheira dos Aimorés, ao norte do rio Piúma, corre em direitura para leste por espaço de 10 léguas, regando o distrito da vila de Benevente até lançar-se no oceano junto da dita vila. Sua embocadura oferece um bom porto aos navios mercantes, as canoas vão e vêm continuamente de Benevente ao porto distância de 3 léguas, e vão pelo rio acima até passar a povoação que chamam também Reritigba.”
O rio foi o primeiro caminho para o transporte de toras, malgrado suas quedas d’água, até o porto, onde eram exportadas. Também em parte por ele, os carregamentos da produção agrícola desciam da serra. Não havia ainda caminhos que permitissem o transporte de grandes cargas.
Era inevitável o conflito entre colonos e povos indígenas. Em 1878, D. Pedro II enviou ao Espírito Santo o engenheiro e político Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves, então ministro da colonização do Império. Em homenagem a ele, o povoado erguido na nascente do rio Benevente, e que se tornou cidade mais tarde, foi batizado com o nome de Alfredo Chaves, hoje com uma população em torno de 15 mil habitantes.
Por cima, no céu, as atividades da economia de mercado ocidental, hoje globalizada, provocaram mudanças climáticas. Por baixo, na terra, fragilizaram os ecossistemas. Alfredo Chaves ergue-se numa depressão junto à nascente do Benevente. A serra foi desmatada para abrir terreno ao café, que gerou erosão e assoreamento. Chuvas torrenciais no início de 2020 arrasaram cidades do Sudeste Brasileiro. Ao que se saiba, nunca choveu tanto no vale em que se situa Alfredo Chaves, uma das cidades mais destruídas do sul do Espírito Santo.
Não apenas São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, as três grandes metrópoles da região Sudeste, expandiram-se sobre rios, impermeabilizando o espaço, produzindo esgoto e lixo. Até mesmo as médias e pequenas cidades, como Muriaé, Itaperuna, Porciúncula, Cachoeiro do Itapemirim, Iconha, Castelo, Vargem Alta e tantas outras cresceram num tempo de estabilidade e previsibilidade climáticas. Agora, entramos num tempo em que o novo normal é imprevisível e destruidor. As chuvas e as secas se alternam, castigando principalmente as grandes cidades, mas também as pequenas, como Alfredo Chaves.