Poltrona 17

Por Basílio Machado

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12/04/2020

Basílio Machado

Jornalista, Professor e Membro da Academia Cachoeirense de Letras

 

Manhã tranquila. Tenho que ir a Vitória. Entro no ônibus da Planeta, aquele parador, que vai arrebanhando passageiros estrada afora. Em três horas chego lá, calculo.

 

Escolhi a poltrona 17, na janela. Sentei-me. À minha direita, a janela de emergência avisa que, em caso de acidente (se colidir, capotar, pegar fogo) "puxe a alavanca e empurre". Mas a alavanca da 13 também tem que ser acionada. Sei não… E se o sujeito da 13 não levantar a alavanca?

 

Relaxo. Vou abrir a janela para tomar um ar. Cadê a janela? Na 17 não há janela. Aliás, tem duas, mas quem as controla são os assentos 15 e 21. Estava encurralado. A 15 abriu uma fresta, que alívio!

 

Vou colocar o pé no descanso embaixo da 15. O espaço é curto, meu joelho dói. Levanto o descanso, enfio os pés e estico as pernas. Simultaneamente, o sujeito da frente encolhe as pernas e nossos sapatos se encontram no território dele. Recolho os pés.  Vou com o joelho doendo mesmo. Pensei em fumar, mas estava fora de questão.

 

O ônibus parou em Rio Novo para arrebanhar passageiros. Entra um caboclo gordão, de corpo cabeludo. Trajava camiseta justa, deixando à mostra o contraforte umbilical. Olhou para o fundo. Deve estar procurando lugar pra estacionar. A 16 estava vaga. Olhei o descanso de braço ao meu lado esquerdo e baixei-o, rapidamente. Pousei o antebraço nele.

 

Não deu outra, o sujeito ocupou a 16. Ajeitou o popozão, bem apertadinho, procurou lugar para o cotovelo, sem sucesso, balançou o corpanzil, insatisfeito, e deixou o braço no colo. Ficou meio torto. Por que não escolheu outro lugar. O vento é pouco, a 15 controla a janela.

 

Deitei a poltrona até o cabo. Estiquei a perna, esbarrei no calcanhar da 15, só de implicância, fechei os olhos e senti uma espécie de solavanco na retaguarda. Penso que a invadi o espaço aéreo da 19. O contra-ataque veio com a joelhada por detrás. Teve a segunda, a terceira. Já ia perdendo a paciência quando chegamos a Iconha.

 

O coletivo esvaziou. O sujeito ao lado, ato contínuo, foi pros fundos, ajeitando-se na 27. Na retaguarda também houve uma trégua, sentou-se uma velhinha de pernas curtas. Mesmo que quisesse, não alcançaria a 17. Nada mais a incomodar-me.

 

Entrou uma universitária bonitinha, mascando chiclete. Sentou-se na 16. Educadamente, afastei o cotovelo do encosto. A distinta, solenemente, ignorou minha gentileza. Colocou uns fios no ouvido, ligou o smartfone e fechou os olhos.

 

Sem joelho nas costas, sem guerra de encosto, a 15 vazia e a 16 inerte. Comecei a ficar profundamente incomodado. 

 

Ps: Crônica inspirada em "Recado ao Senhor 903", do mestre Rubem Braga.

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