Geralmente desconhecendo as minúcias do manguezal, o artista plástico tem sua atenção logo voltada para o mangue vermelho por suas características, pois o ecossistema ainda é evitado ou não merece atenção. O mangue vermelho é a marca registrada do manguezal com suas pernas evocando as de uma aranha. É a espécie mais retratada juntamente com com o caranguejo-uçá. Ambos comumente estão presentes no desenho, na pintura, na escultura, na fotografia, nas artes cênicas e na música.
Entre os desenhistas que retrataram o manguezal nos séculos XX e XXI, destaca-se Armando de Magalhães Corrêa, que ilustrou dois livros seus com plantas de mangue e caranguejos, sobressaindo-se mais o livro dedicado às ilhas da baía de Guanabara, em que assume postura científica e pedagógica. Conhecendo bem o manguezal, ele deu atenção às três espécies encontradas da baía (CORRÊA, Armando de Magalhães. “Águas cariocas: a Guanabara como natureza”. Rio de Janeiro: Outras Letras, 2016).
Detalhes de caules, folhas, flores e propágulos de mangue vermelho, siribeira e mangue branco em bico-de-pena de Magalhães Corrêa
Nessa ilustração, o artista anotou que o mangue vermelho é também conhecido como mangue verdadeiro, assim como Manuel Pio Corrêa no verbete “Mangue-verdadeiro” (CORRÊA, Manuel Pio. “Dicionário das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas”, vol. V. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura/Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, 1984).
No século XX, o mangue foi retratado, principalmente, na pintura popular. Ele figura mais entre pintores ingênuos que, o mais das vezes, vivem nesse ambiente ou próximo dele. Por suas obras simples, não ganharam o merecido destaque. Em Bragança, Pará, existem dois, que se assinam Cavalcante e Miguel Lira, concebendo pinturas ao gosto popular com manguezais como motivo. No Piauí, o artista popular Antônio Carlos retratou um manguezal devastado em óleo sobre tela de grandes dimensões.
Manguezal com guará na pintura de Cavalcante
Em Recife, a capital do manguezal no Brasil, reúne-se agora um grupo de pintores mais elaborados que tomam o mangue como assunto dos seus quadros. Os mais conhecidos são Feliciano dos Prazeres, Mané Tatu, Antonio Mendes, Sandro Maciel, Bruno de Souza Leão, Marcelo Peregrino Samico e Filipe Arruda.
“Mangue II”, de Feliciano dos Prazeres
O mangue vermelho figura em quase todos os quadros.
O artista polonês Frans Krajcberg, radicado no Brasil, viu, na natureza destruída pela mão humana, material para suas monumentais esculturas. O mangue vermelho, sobretudo, não podia escapar de sua arguta percepção. Por mais de uma vez, ele foi representado em seus desenhos e esculturas. É famosa sua escultura “Flor do mangue”, de 1965.
Mais recentemente, o escultor e fotógrafo Augusto Ferrer, passou a usar o caranguejo como motivo de monumentais esculturas concebidas em materiais diversos, como homenagem ao compositor Chico Science, considerado o criador do movimento cultural MangueBit, no início dos anos de 1990.
Escultura monumental de Augusto Ferrer representando as quelíceras de um caranguejo
Paullo Lobato dedicou um trabalho à fotografia de arte em manguezais com poemas de Vergara Filho (LOBATO Paulo e VERGARA FILHO, Waldemar Londres. “Movimento da maré”. Brasília: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, s/d). O enfoque recai mais sobre o humano do que sobre o manguezal. Quando este se torna o centro, todavia, o gênero de planta focalizado não é, como se poderia esperar, o mangue vermelho.
André Alves escreveu sua dissertação de mestrado com a proposta de unir antropologia e fotografia, com excelentes resultados e fotos dos manguezais do Espírito Santo (ALVES, André. Os argonautas do mangue: uma etnografia visual dos caranguejeiros do município de Vitória – ES. Campinas: Unicamp, 1999 (Dissertação de mestrado).
O fotojornalista Egberto Nogueira mostrou o manguezal e os que dele dependem na exposição "Caranguejeros – um dia no mangue", no Museu da Imagem e do Som de São Paulo. A série de fotos registra a vida de catadores adultos e adolescentes de caranguejo no manguezal do rio Parnaíba, divisa dos estados de Maranhão e Piauí.
No cinema, o manguezal aparece incidentalmente. Está presente em alguns poucos fotogramas de “O Descobrimento do Brasil”, filme épico de Humberto Mauro, de 1937. Com mais vagar, ele aparece em “Como era gostoso meu francês”, de Nelson Pereira dos Santos. Em “Tieta do Agreste”, de Carlos Diegues, o manguezal povoa o filme todo, mas não ainda como assunto principal, sequer como cenário mais frequente. Nesse sentido, nem mesmo o documentário “Terra do mar”, de Mirella Martinelli e Eduardo Caron, de 1997, dedicado à pesca artesanal, detém o olhar da câmara sobre o manguezal por tempo suficiente. O filme em que o manguezal está presente o tempo inteiro é “Mangue negro”, dirigido por Rodrigo Aragão em 2008.
Na dança, Deborah Colker montou a coreografia “Cão sem plumas”, inspirada em poema de João Cabral e toda ela recorrendo a motivos do manguezal.
Por ser parcialmente abstrata, a música é uma arte que não se presta a descrições. Não é a melodia que dá notícia do assunto e sim a letra, que vem a ser poesia. É pela letra que se pode referir ao manguezal ou à outro ecossistema. Na Bahia, a banda “Cantarolama”
se especializou em produzir música popular com letras que retratam as qualidades dos manguezais e os problemas enfrentados por eles. Também Gilberto Gil incluiu “Vendedor de caranguejo”, música e letra de Gordurinha, em que a visão depreciativa cultivada por quem não depende dele acaba por impregnar aqueles que vivem de seus frutos.
O manguezal inspirou um movimento cultural que começou na música e se espraiou por outras manifestações estéticas. Trata-se do Manguebeat ou MangueBit, que tem em Chico Science sua expressão mais conhecida. Não sem razão, ele brotou em Recife, a cidade mais intrinsecamente ligada a este ecossistema, visto ter sido construída sobre ele.