GUARAPARI DISTÓPICA

Por Olga Rodrigues Vicente Fernandes

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27/11/2020

Olga Rodrigues Vicente Fernandes

Você deve estar se perguntando o porquê deste título. Resolvi associar esta escrita com a obra cinematográfica distópica “Ensaio sobre a cegueira” dirigido pelo diretor Fernando Meirelles, baseado no livro de José Saramago.

 

No filme as pessoas vão perdendo a visão na forma de contágio, por este motivo comparo aqui a difícil arte de relacionar as imagens do cotidiano com a realidade que nos apresenta. Narro aqui nestas breves linhas parte de uma das problemáticas que impulsiona o meu projeto de mestrado que é pensar sobre o discurso veiculado pelos meios midiáticos de “Guarapari: cidade saúde”, elevando-a uma das principais cidades turísticas do Espírito Santo, conhecida como um dos cartões-postais da cultura capixaba.

 

Guarapari: cidade saúde? Toda esta representatividade, seja por imagens e sons estão presentes no cotidiano escolar de todos os níveis de ensino da nossa municipalidade. Apresento aqui um pouco da realidade sobre como a educação ambiental é vivenciada nas práticas educativas. O município tende a terceirizar a educação ambiental e poucas são as práticas que privilegiem esta temática e os espaços da cidade. As práticas continuam estanques e por vezes pouco difundidas.

 

Na minha prática tento o máximo apresentar recortes da realidade, de maneira lúdica, que apresentam aspectos físicos-naturais-culturais de Guarapari, mas como é difícil a escola se conectar com outros espaços, sejam ele culturais e/ou ambientais. Como é árduo levar à campo alunos da Educação Infantil para espaços culturais porque eles simplesmente não existem em Guarapari.

 

Meu tema de pesquisa tem como um dos objetivos investigar a “ausência” de educações ambientais para a infância em uma das unidades de conservação da cidade de mais fácil acesso a todos: o Morro da Pescaria. Isso porque as crianças maiores, adultos e visitantes já estão incluídas neste processo, por meio das chamadas “trilhas interpretativas” que aliás é muito bem realizada pelo biólogo do local. Mas é necessário mudança. É necessário que isso vire política pública na “Cidade Saúde”. Crianças necessitam ter acesso à estes espaços naturais para aguçar ainda mais suas curiosidades que já são natas. Elas precisam pisar na grama, tocar as árvores, pisar nas areias, conhecer o mangue, a restinga e também todos os agentes culturais que “sobrevivem” destes espaços. Outro fato é que estes territórios estão demarcados pela falta de incentivo político, pela desigualdade de acesso à natureza.

 

No mês de setembro Guarapari completou 129 anos e um vídeo em homenagem à cidade circulou nas redes sociais como sugestão para a circulação em “nossas salas virtuais”. Este vídeo é mais um clichê que tende a anestesiar os pensamentos como diria um filósofo francês. No vídeo sugerido pela minha equipe pedagógica tem em sua narrativa que Guarapari está vivendo uma nova fase de valorização de suas riquezas naturais e culturais.

 

Fico a pensar como está sendo feita essa valorização já que a antiga “Casa da Cultura” não mais existe e seu prédio totalmente abandonado.

 

Então me pergunto: Onde está esta valorização? É necessário uma proposta curricular onde se dialogue com todas as formas de arte e realidades existentes em Guarapari.

 

Guarapari – Cidade Saúde? Ou Guarapari distópica? Podemos comparar este título à uma epidemia de cegueira que tomou repercussão nacional e internacional, a partir da década de 1960, por meio de estudos empíricos feito pelo Dr. Silva Mello sobre a presença de areias monazíticas, radioativas, de propriedades medicinais. Por ocasião destas areias peculiares e consequentemente toda esta historicidade as imagens e a cultura que atravessam o cotidiano desta cidade, essencialmente turística, foram tecidas em torno do discurso “Cidade Saúde”.

 

Digo “epidemia de cegueira” porque isso não foi suficiente para evitar a exploração das nossas areias e nem para controlar construções irregulares que causam erosão e ameaçam as areias radioativas.

 

A realidade é que várias narrativas que não são divulgadas existem e elas estão presente nos cotidianos desta cidade, onde “nem Tudo é Mara”. Não temos um hospital público em nossa cidade, algumas especialidades médicas não encontramos nem no setor privado da saúde e a população tendo que se deslocar para a capital (Vitória). Sei bem dessa realidade porque já trabalhei na área da saúde e via a “peregrinação” e a luta dos cidadãos guaraparienses em busca de saúde na “Cidade Saúde”.

 

Assim, com minha pesquisa por meio de conversas, conheci três pessoas que re-existem: um professor de matemática, que incentivou os estudantes a lutarem pelo não loteamento de uma área de Mata Atlântica na Área de Preservação Ambiental do Morro da Pescaria; uma professora de artes de uma escola estadual, que realizou um projeto demonstrando o perigoso descarte de resíduos nos manguezais do canal de Guarapari; e um historiador, que resolveu, de forma diligente, investigar as histórias e as culturas locais de influência maratimba que dizem respeito às pessoas que vivem do e com o mar. Incluo-me nesta lista, “esperançando”, como nos inspira o grande Paulo Freire…

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