Até o ano de 1953 a divisão territorial de Guarapari era muito diferente da que temos hoje. Nossa configuração territorial só foi definida após o acordo entre Minas Gerais e Espírito Santo que pôs fim a guerra do Contestado, batalha travada entre capixabas e mineiros pela demarcação da divisa entre os dois estados. Mesmo os municípios distantes da fronteira e dos fronts de guerra tiveram seus limites e distritos alterados pela lei 0779 de 1953, assinada pelo então governador Jones dos Santos Neves. Guarapari, Anchieta e Alfredo Caves passaram a dividir entre si partes de seus territórios, perdendo uns e ganhando outros. A lei 183 conferiu autonomia jurídica ao município com a criação da comarca, antes ligada a Anchieta, o que leva muitos ao erro de admitirem que Guarapari pertencia ao município vizinho, inclusive essa informação equivocada consta no site do IBGE.
Pela lei 0779/1953 Guarapari perdeu o distrito de Sagrada Família que passou a integrar o município de Alfredo Chaves. Foi criado o distrito de Rio Calçado composto por territórios desmembrados dos distritos de Guarapari (sede) e o de Todos os Santos. Um fato interessante é que por essa mesma lei, o recém criado distrito de Rio Calçado, no QUADRO TERRITORIAL ADMINISTRATIVA E JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ESTADO PARA O QUINQUÊNIO DE 1954-1958 recebe foro de cidade, mesmo não possuindo qualquer estrutura urbana, mas passa a ter Escola Pública, Posto de Saúde e Cartório, serviços esses com os quais, devido as ingerências administrativas não conta mais atualmente, o que deixa a sede em condições deploráveis no quesito serviços públicos, os quais é um dever legal possuir como previsto no artigo 62 da Lei Orgânica. A Escola Pública foi fechada em 2011, o Posto de Saúde nem se quer existe mais vestígios do mesmo e o cartório que deveria estar na sede do distrito se encontra na comunidade de Amarelos, que integra o distrito sede.
Dom Elvécio, um dos religosos mais respeitados à época no Brasil |
Algumas curiosidades cercam nossos municípios vizinhos. Segundo alguns relatos populares, Guarapari teria perdido parte de seu território para o município de Anchieta devido aos caprichos de Dom Helvécio Gomes de Oliveira, um dos religiosos mais influentes do período no Brasil, que foi arcebispo de Mariana se destacando como um dos mais lembrados. Dom Helvécio, nascido na localidade hoje chamada de Olivânia em homenagem a sua família, teria exigido que suas terras ficassem no município de Anchieta, o que teria alterado a linha de divisa para atender a sua vontade. Vários mitos rondam a figura do bispo, inclusive que seria ele o pai natural do ex presidente Juscelino Kubitschek, fato sustentado por mitos devido a ligação do presidente com a cidade de Anchieta, a qual visitara em várias ocasiões e as semelhanças físicas entre os dois.
Nosso outro vizinho com o qual temos grandes ligações, Alfredo Chaves, teve a maior parte de seu território desmembrado do então município de Benevente, atual Anchieta, em 1881. Teve como primeiro nome Cachoeiras de Benevente e passou a ser um dos principais destinos de imigrantes italianos a partir de 1874. Seu território foi dividido em 5 grandes partes que eram, algumas até hoje, chamadas de Territórios, os quais eram divididos em lotes menores destinados aos imigrantes italianos. Um dos fatos mais interessantes da História desse município remonta a Segunda Guerra Mundial.
Num período de recessão devido a produção estar voltada para abastecer as tropas, o governo federal passou a enviar para distribuição gratuita aos lavradores em todos país, os insumos necessários para manutenção da produção agrícola, como ferramentas, tecidos, adubos, sementes, querosene. Os suprimentos que eram enviados para os colonos do município acabavam desviados e sendo comercializados nos estabelecimentos da vila, mesmo com os carimbos e marcas de distribuição gratuita. Revoltados com a situação, um grupo de jovens lavradores do distrito de Carolina resolveu numa atitude heroica e desesperada, ir até a vila e reaver o que por direito era deles. Não se sabe como, esse movimento foi descoberto pelo delegado que, acompanhado de apenas um soldado, resolveu exercer sua autoridade policial e os dois subiram a serra onde encontraram com o grupo formado por cerca de 50 pessoas nas proximidades de Matilde, dando voz de prisão a todos, por desordem. Como não havia como deter a todos, ordenou que tirassem os cintos das calças e os colocasse no pescoço, o que os obrigou a usarem as mãos para segurarem as calças, evitando assim qualquer tipo de reação. Todos foram levados para a cidade onde foram submetidos a uma semana de trabalhos forçados, limpando os canais e valas. Esse fato gerou muita aflição entre os participantes, muitos carregaram como uma vergonha e humilhação para o resto de suas vidas e morreram sem poder ter a chance de serem reconhecidos pela coragem e ousadia de reivindicar um direito, usurpado por quem deveria defende-lo.