O fogo foi o instrumento mais barato e poderoso para destruir a grande Mata Atlântica. A contribuição dos portugueses para o aumento de gás carbônico na atmosfera começou no século XVI. Como se tratava de uma vasta floresta, ainda no século XX, havia grandes extensões dela em todo o Brasil. No norte-noroeste fluminense e sul capixaba, a Mata Atlântica se estendia em todo o noroeste, chegando perto de Campos na margem esquerda do rio Paraíba do Sul e em toda a área montanhosa do Imbé. No sul do Espírito Santo, a floresta densa na serra também chegava perto do mar na forma de floresta estacional.
Em 1785, o militar cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis escreveu sobre as matas do norte fluminense: “Uma das circunstâncias da primeira estimação, e que muito concorre para promover e adiantar os interesses deste país, é a beleza dos seus matos onde se encontram as mais preciosas madeiras, não só para o uso necessário das suas fábricas, edifícios e comércio, como também para o fornecimento de lenhas, que indispensavelmente se consomem nos tráfegos de tantos engenhos.” ((Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis – 1785: Descrição geográfica, política e cronográfica do Distrito dos Campos Goitacazes. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima; Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011)
Ao mesmo tempo em que reconhecia a beleza das matas, Couto Reis via nelas utilidades imediatas, que consistiam na derrubada da beleza. Mas ele alertava também quanto aos limites de exploração. Em 1808, a capital do império colonial português transferiu-se de Lisboa para o Rio de Janeiro. Foi o único caso conhecido de transferência da sede de um país europeu para uma colônia fora da Europa. D. João governava Portugal em nome de sua mãe. Assim que chegou ao Brasil, ele autorizou a entrada de estrangeiros no Brasil com a abertura dos portos. A colônia passou a ser visitada por comerciantes e estudiosos.
Um deles, foi Maximiliano de Wied-Neuwied, príncipe alemão que percorreu pela costa o trajeto do Rio de Janeiro a Salvador entre 1815 e 1817. Ao mesmo tempo em que se maravilhava com a flora e a fauna da Mata Atlântica, ele também imaginava o Brasil com roupas europeias. Ou seja, uma Europa fora da Europa, embora o país ainda fosse habitado por muitas nações indígenas atrasadas e mantivesse a escravidão de africanos, segundo ele. Mas acreditando na unidade da humanidade, ele admitia que todos eram humanos podiam ser europeizados.
Ele passou por Campos, rumo a Salvador. Passou pelo sul da Bahia, na área assolada pelas arrasadoras chuvas em dezembro de 2021. Ele escreve: “Depois de Cachoeira os montes continuam uniformemente cobertos de matas até o vale do rio das Contas, onde se chega após um dia de viagem. As águas dos córregos têm gosto salgado, devido provavelmente ao fato de atravessarem subterraneamente camadas de sal, pois são esbranquiçadas e turvas.” (Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989).
No rio de Contas, as anotações continuam: “Montanhas de variadas formas, cobertas de verdes matas, se elevam de todos os lados, enquanto na sua base erguem-se altos capões de belas e sombrias árvores, entremeadas de prados verdejantes. As próprias margens são ensombradas por velhas mimosas de folhas finamente recortadas, e de dentro da sombra ouve-se sair a foz rouquenha e forte das araras. Essa região é muito pouco habitada ainda.”
Rio Alcobaça (sul da Bahia) em desenho de Maximiliano de Wied-Neuwied, 1816
Nesse trecho da costa, ele conheceu o português João Gonçalves da Costa, que instalou uma fazenda ali. Esse homem, chamado de coronel, representará a futuro da região e do país. Ele desejava civilizá-lo e, para tanto, empregava índios no desmatamento. Segundo Maximiliano, ele foi o primeiro a navegar vários rios, como o Pardo, o de Contas, o de Ilhéus e parte do rio Grande de Belmonte, descobrindo-lhe a embocadura no mar e suas comunicações entre si. Quando começou a se estabelecer nesses ermos, as florestas estavam cheias de animais ferozes.”
Derrubada da Mata Atlântica no sul da Bahia com mão de obra indígena. Desenho de Maximiliano de Wied-Neuwied, 1816
O paraíso da Mata Atlântica ainda conservava belezas íntegras, mesmo depois de três séculos de desmatamento. João era um homem empreendedor. Desmatar usando a mão de obra dos índios era promover o progresso duas vezes: abria espaço para a lavoura, para a pecuária e para o povoamento da região. Ao mesmo tempo, integrava os índios à civilização
europeia. Tanto ele quanto o príncipe eram homens de sua época. Acreditavam estar fazendo o bem. Eles não podiam imaginar que o desmatamento e o povoamento do centro- sul da Bahia contribuíssem para mudanças climáticas, para fenômenos arrasadores como chuvas diluviais, para núcleos urbanos em desequilíbrio e para o extermínio de indígenas. O mesmo acontecerá em Minas Gerais, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro e em todo sudeste-sul do Brasil