Coisas estranhas

Por Arthur Soffiati

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22/10/2022

Arthur Soffiati

Intelectual por vocação e ofício, ecólogo militante, pioneiro da área de História Ambiental no país

A Defesa Civil Nacional reconheceu, no início de setembro, situação de emergência causada por seca extrema em Iconha (Espírito Santo), Boa Vista, Itaguaçu e Cotegipe (Bahia) e Tangará (Rio Grande do Norte. Com esse reconhecimento, os municípios atingidos poderão conseguir recursos federais para ações no sentido de mitigar os efeitos dessa ingente seca que dura mais de três meses. Sobretudo no setor agropecuário. Iconha também também foi enquadrada em Situação de Emergência em 2020, mas por situação climática oposta. Nunca houve registro de tanta chuva no município. A cidade ficou arrasada. Geralmente, a imprensa notícia a situação da cidade ou do município, mas deve-se sempre considerar a região.

Se as pessoas ainda não sabem em que consiste mudanças climáticas extremas, Iconha pode muito bem ilustrá-lo. Em dois anos, ela foi de chuvas extremas a seca extrema. No campo, a chuva causa menos impacto que na cidade, embora possa colocar toda uma safra a perder. Na cidade, chuvas intensas começam causando alagamentos, transbordamentos e deslizamentos. Iconha cresceu na zona serra do sul do Espírito Santo. A cidade aterrou córregos e avançou sobre o rio Iconha, também conhecido como rio Piúma. Todo rio tem um leito de cheia. Hoje, ele se transformou em leito de enchente. Iconha cresceu no âmbito da Mata Atlântica. O desmatamento foi brutal. A floresta foi quase reduzida a zero. No seu lugar, foram se desenvolvendo lavouras, pastos e cidades. Iconha não é um município muito urbanizado, mas deve-se considerar sempre a região.

Invadido o leito de enchente do rio, com as volumosas chuvas de 2022, a situação se inverteu: foi o rio que invadiu as casas das margens e a cidade. As mudanças climáticas produziram intensas chuvas que, como é natural, correram para as partes mais baixas. Ou seja, córregos e rios. O Iconha é o principal rio. A cidade avançou sobre ele e sofreu as consequências desse avanço. Moveis e outros objetos foram parar em Piúma, outra cidade da bacia do Iconha, erguida em sua foz.

Agora, é a vez da seca. Geralmente, ela afeta mais o campo. Mas a cidade também sofre. E tudo se resolve da forma mais simples: no auge do fenômeno, a prefeitura do município pede ajuda ao governo estadual e nacional. Se atendido, os recursos econômicos chegam, em parte são desviados e aplicados de forma pontual e imediatista, como na perfuração de poços, por exemplo, agravando mais ainda a escassez de água. Nenhuma solução a longo prazo é iniciada. E a enchente e a seca, quando voltam, revelam o ciclo vicioso em que o município, a região, o estado, o país e o mundo vivem. Passado o momento crítico, tudo é esquecido para ser relembrado no próximo desastre.

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