As duas pontas do arco

Por Arthur Soffiati

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13/03/2022

Arthur Soffiati

Intelectual por vocação e ofício, ecólogo militante, pioneiro da área de História Ambiental no país

Assim como José Saturnino da Costa Pereira (Apontamentos para a formação de um roteiro das costas do Brasil, com algumas reflexões sobre o interior das Províncias e suas produções. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1848) e Charles Frederick Hartt (Geologia e Geografia Física do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1941), em 1870, perceberam que a costa se afasta da região montanhosa ou esta se afasta do mar, entre os rios Macaé e Itapemirim, formando um arco em que as duas pontas são representadas pela foz destes dois rios, também eu notei que esta vasta porção de terra foi constituída por aterros feitos pelas forças terrestres e marinhas, tornando-se bastante distinta da costa acima do Itapemirim e abaixo do Macaé.

Atrás desse grande aterro natural, situa-se a zona serrana, bem mais antiga, formada pela Serra do Mar e pela zona de tabuleiros, na margem direita do rio Paraíba do Sul, e por formações cristalinas baixas, na margem esquerda do mesmo rio. O aterro propriamente dito é constituído por terrenos de idades distintas, que, apesar disso, formam uma unidade diversa. São duas unidades de tabuleiros (Formação Barreiras), com idade estimada em 5 milhões de anos, uma restinga entre o rio Macaé e o canal da Flecha (quase toda ela ocupada pelo Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba), cuja idade remonta a 123 mil anos, e uma grande planície aluvial associada à maior restinga do estado do Rio de Janeiro, construída nos últimos 5 mil anos. Entre o rio Itabapoana e Marobá, formou-se também uma pequena restinga, batizada de Marobá ou Neves.

Nos meus estudos, nomeei esta vasta e singular área de Ecorregião de São Tomé, em alusão ou homenagem ao Cabo de São Tomé, situado no centro geográfico da área, ou à Capitania de São Tomé, primeira tentativa de colonização europeia da região. Embora diversa, ele abrange a mais extensa planície do Estado, formada pelo trabalho geológico conjunto do Paraíba do Sul e do mar. Seis rios expressivos a drenam: Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul, Ururaí e Macaé. O Paraíba do Sul, em seu curso final, conecta-se naturalmente com o sistema Ururaí, formado de rios e lagoas.

A vegetação nativa também era diversa: Campos de Altitude no Pico do Frade, na Pedra do Desengano e no Pico da Bandeira; a complexa Mata Atlântica (floresta ombrófila densa atlântica), a Mata Atlântica de terras baixas (floresta estacional semidecidual), a mata higrófila de baixada úmida, os campos nativos (formações pioneiras de influência fluvial), a vegetação de restinga (formações pioneiras de influência marinha) e os manguezais (formações pioneiras de influência fluviomarinha). A fauna nativa, por sua vez, era exuberante, com espécies extintas regionalmente e ameaçadas nacionalmente.

Os povos nativos pertenciam ao grupo linguístico macro-jê, com a dominância dos goitacás e puris. Esses povos desenvolveram culturas adaptadas à planície fluviomarinha, ao tabuleiro e a zona cristalina baixa. Por mais que os cartógrafos dos séculos XVII e XVIII tenham evitado os topos da Serra do Mar por medo a "índios brabos", é pouco provável que os nativos tenham trocado os fertilíssimos ambientes baixos pelos ambientes altos e florestados. As planícies eram mais acolhedoras. Basta dizer que os goitacás, conhecendo a agricultura, não a praticavam sistematicamente, em virtude da abundância de recursos naturais.

Os europeus imitaram os índios no início da colonização, como bem observou Sérgio Buarque de Holanda com relação a todo o país: primeiro tomaram pé da costa. Depois, foram se interiorizando pouco a pouco. Na Ecorregião de São Tomé, a mais antiga tentativa de

colonização portuguesa ocorreu na foz do rio Itabapoana, com a Vila da Rainha, que seria a sede da Capitania de São Tomé, doada a Pero de Góis. Ele tentou plantar cana e fazer açúcar. Ela resistiu de 1539 a 1546, sucumbindo diante de ataques indígenas e de sabotagens de habitantes da vizinha Capitania do Espírito Santo.

Não conseguindo encontrar o Baixo dos Pargos, limite estabelecido nas cartas de doação, Pero de Gois, de São Tomé, e Vasco Fernandes Coutinho, do Espírito Santo, trataram entre si de estabelecer o rio Itapemirim como divisa inconteste entre as duas capitanias. O rei de Portugal a reconheceu. A Vila da Rainha não deixou rastros visíveis. O engenho que Pero de Gois construiu na última queda d'água do Itabapoana conservou vestígios importantes até hoje. No lugar da Vila da Rainha, ergueu-se, mais tarde, a Vila de Barra do Itabapoana. Em 1614, já havia um povoado na foz do rio Macaé, sentinela avançado de Cabo Frio. Os Sete Capitães dão notícia dele em seu Roteiro, de 1632-33 (Adelmo Henrique Daumas Gabriel e Margareth da Luz (Orgs.); Carlos Roberto B. Freitas; Fabiano Vilaça dos Santos, Paulo Knaus; Arthur Soffiati (notas explicativas) e Marcelo Abreu Gomes. Roteiro dos Sete Capitães. Macaé: Funemac Livros, 2012).

No livro Mentiras Históricas, Alberto Frederico de Morais Lamego sustenta que Gil de Gois, assumindo a Capitania de São Tomé de seu pai, fundou uma vila na foz do rio Itapemirim, em 1618, com o nome de Santa Catarina das Mós. Não há certeza dessa informação. Ou a vila não foi erguida ou ela foi soterrada pela vila depois cidade de Itapemirim.

Seja como for, é curioso notar que as duas cidades mais populosas da costa da Ecorregião de São Tomé situam-se exatamente nas extremidades do arco. Ao norte, a cidade de Marataízes, sede de um município que se emancipou de Itapemirim, em 1992, com a maior parte na margem direita do rio e uma pequena parte na margem esquerda. Ao sul, a cidade de Macaé, elevada a essa condição em 1846. Atualmente, ela cresceu de tal forma que já se liga a Rio das Ostras, Barra de São João (município de Casimiro de Abreu) e Unamar (município de Cabo Frio). Ambas as cidades no extremos do arco têm um pé numa ecorregião e outro pé na ecorregião vizinha. Entre elas, podemos registrar como núcleos urbanos expressivos, Barra do Furado, Farol de São Tomé, Xexé, praias de Campos, Açu, Gruçaí-Atafona (que já se conurbaram e formam uma unidade maior que a sede de São João da Barra, a conurbação Santa Clara-Sossego-Guaxindiba e Barra do Itabapoana. Nenhuma delas, porém, tem o estatuto de cidade. Entre Barra do Itabapoana e Marataízes, existem pequenas povoações, como Praia das Neves, Marobá, Boa Vista, Praia dos Cações, Praia das Pitas e Praia do Siri

As mais significativas cidades da Ecorregião são Cachoeiro do Itapemirim, Marataízes, Bom Jesus do Itabapoana (conurbada com Bom Jesus do Norte), Itaperuna, Santo Antônio de Pádua, Campos (o polo urbano da ecorregião) e Macaé. Com exceção de Macaé e Marataízes, todas se localizam no interior da planície e na zona serrana. Cabe uma investigação sobre o padrão de urbanização regional. Por que os portugueses e seus descendentes não buscaram o interior e se fixaram no litoral? Quanto a um ponto, não há dúvida: todos os núcleos urbanos da ecorregião, cidades ou não, cresceram e continuam a crescer de forma desordenada, destruindo o ambiente nativo sobre o qual se ergueram e produzindo profundas desigualdades econômicas e sociais.

Ecorregião de São Tomé

1- Zona Serrana; 2- Colinas e maciços costeiros; 3- Tabuleiro norte; 4- Tabuleiro centro; 5- tabuleiro sul; 6- Planície aluvial do rio Paraíba do Sul; 7- planície aluvial do rio Itabapoana; 8- Planície aluvial do rio Macaé; 9- restinga de Marobá; 10- Restinga de Paraíba do Sul; 11- Restinga de Jurubatiba. Fonte: Projeto RadamBrasil, vol. 32: Rio de Janeiro/Vitória, 1983.

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