Imagem mostra cérebro saudável à esquerda e cérebro com Alzheimer à direita. Foto: Reprodução
Uma equipe internacional de pesquisa liderada por neurocientistas brasileiras descobriu um marcador do envelhecimento do cérebro. Trata-se de uma proteína, cuja quantidade é reduzida nas células nervosas à medida que envelhecemos
O estudo abre caminho para compreender mudanças funcionais que podem levar a déficits cognitivos. Numa etapa futura, ele também lança bases para desenvolver medicamentos capazes de “rejuvenescer” as células e, assim, evitar demências, como o mal de Alzheimer.
Por sua importância, o estudo foi publicado na revista científica Aging Cell, uma das mais conceituadas da área de envelhecimento. Nele, os pesquisadores descrevem o papel da proteína lamina-B1 como biomarcador do envelhecimento em seres humanos e animais.
Coordenadora do estudo, Flavia Alcântara Gomes, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB/UFRJ), explica que esses biomarcadores costumavam ser procurados no cérebro de vítimas do mal de Alzheimer, por exemplo. Mas aí já era tarde demais porque a doença estava estabelecida.
Os cientistas então procuraram biomarcadores no cérebro de pessoas e animais saudáveis. O foco do trabalho foram amostras de pessoas entre 75 anos e 94 anos.
— Nosso objetivo foi identificar indicadores de mudanças que podem levar à perda de função e, por fim, em alguns casos, à demência. A novidade de nosso trabalho foi encontrar um marcador que identifica as células envelhecidas no cérebro — diz Gomes.
Os cientistas trabalharam com roedores e com amostras cerebrais post mortem de bancos de encéfalos da Universidade de São Paulo (USP) e de uma instituição da Holanda. Ao todo, foram analisadas 16 amostras de pessoas de meia-idade e 14 de idosos. Os pesquisadores investigaram transformações nos astrócitos, células nervosas que dão sustentação e ajudam a controlar o funcionamento dos neurônios.
A lamina-B1 tem uma função complexa. Ela ajuda a manter íntegro o núcleo dos astrócitos. E essa função é importantíssima porque, com o núcleo deficiente, os astrócitos já não conseguem mais cumprir o seu papel.
Isso tem consequências amplas, pois desencadeia distúrbios no funcionamento dos neurônios, que dependem dos astrócitos para trabalhar direito. Já se sabia que déficits cognitivos estão ligados à perda de função dos astrócitos envelhecidos, o novo estudo ajuda a compreender os mecanismos que podem estar por trás disso.
O estudo mostrou que a quantidade de lamina-B1 diminui com o envelhecimento. A identificação das alterações na lamina-B1 pode ajudar os cientistas a distinguir o que é um sinal normal do envelhecimento das alterações associadas a distúrbios cognitivos.
— A novidade desse estudo é revelar que a lamina-B1 é um indicador de que os astrócitos estão envelhecidos — afirma Gomes.
Isadora Matias, primeira autora do estudo e do mesmo laboratório da UFRJ, observa que uma das estratégias já cogitadas no mundo para combater déficits cognitivos é matar os astrócitos envelhecidos. Porém, os riscos são grandes e os resultados, duvidosos. A nova pesquisa indica caminhos diferentes:
— O pulo do gato será interromper ou até mesmo reverter o envelhecimento dos astrócitos, normalizando a concentração de lamina-B1. Mas isso depende de mais estudos — enfatiza Matias.
Outra frente são métodos de diagnóstico que permitam dosar no sangue a concentração da lamina-B1. Por ora, isso não é possível. Os pesquisadores também dizem quem a descoberta pode permitir novas plataformas para testes de drogas contra demências.
O envelhecimento é um processo extremamente complexo e ainda pouco compreendido. A lamina-B1 é apenas uma elemento num mecanismo que tem numerosos outros. O próprio grupo que realizou o novo estudo identificou outras moléculas com papel importante no envelhecimento das células.
— Mas já será muito importante usar o que aprendemos com essa proteína capaz de dar o sinal de alerta de envelhecimento precoce, por exemplo — acrescenta Matias.