Os famosos navegadores muçulmanos conheciam detalhes do oceano Índico. Foi com ajuda de um deles que Vasco da Gama atingiu a Índia em 1498-9. Esses pilotos certamente conheciam o manguezal. Uma passagem escrita pelo piloto Ahmad Ibn-Madjid (1432-1500), refere-se a um ambiente que evoca o manguezal: “São baixios pantanosos, junto a montanhas – conhece-os só o meu Deus, Senhor glorioso.” (CHUMOVSKY, T. A. Três roteiros desconhecidos de Ahmad Ibn-Mãjid. Lisboa: Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960).
Um comentarista do texto do navegador esclarece que ele se refere às terras baixas e pantanosas, cobertas de mangues, ao pé de colinas. Para os nautas, essas áreas eram intransponíveis tanto na maré alta quanto na maré baixa. Na preamar, os barcos não conseguem singrar por entre ou por sobre o bosque cerrado. Na baixa-mar, as embarcações de maior porte ficariam encalhadas na lama, correndo o risco de atolar-se aquele que desejasse penetrá-lo a pé (BARRADAS, Lereno. O sul moçambicano no Roteiro de Sofala do piloto Ahmad Ibn-Madjid. Revista da Universidade de Coimbra vol. XXII. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1967).
Cercada por todas as áreas continentais e premida pela necessidade de se expandir por força da economia de mercado, a Europa ocidental viu no oceano Atlântico a única saída. No início do século XV, inicia-se a expansão marítima da Europa com a conquista do arquipélago das Canárias e da cidade de Ceuta, no norte da África, até então sob domínio dos muçulmanos. Essas navegações levam à divisão do mundo pelo Tratado de Tordesilhas (1494) entre Espanha e Portugal. Tanto os espanhóis, na América, quanto os portugueses na costa ocidental e oriental da África e no oceano Índico, depararam-se com manguezais, essa estranha forma de vegetação encontrada em foz de rios e praias da região intertropical. Mas, nos diários de bordo ou nos livros de viagem, essas árvores à beira-mar ainda não tinham nome especifico. Só no decorrer do século XVI, elas vão receber o nome de mangue ou mangre, palavra de origem malaia que se incorpora às línguas ocidentais como mangue, manglar e mangrove.
Pedro Álvares Cabral aportou junto a rios com manguezais na costa do futuro estado da Bahia. A primeira referência explicita ao ecossistema no Brasil coube ao padre José de Anchieta, em 1562: “DA ÁRVORE MANGUE: Também há outras árvores, que por toda parte cobrem os braços de mar, onde crescem: cujas raízes estendendo-se, umas desde quase o meio do tronco, outras do ponto em que os galhos ao nascer se levantam, quase do comprimento da lança, pouco a pouco vergam para a terra, até lá chegarem depois de muitos dias” (ANCHIETA, José de. “Carta fazendo a descrição das inúmeras coisas naturais, que se encontram na província de S. Vicente hoje S. Paulo”. In: − Cartas inéditas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas/Instituto de Documentação, 1989).
Vários cronistas coloniais, tanto na América espanhola quanto na América portuguesa, escreveram sobre os pujantes manguezais do chamado novo mundo, principalmente por sua utilidade enquanto fonte de alimento e de matéria-prima. No entanto, os ibéricos não tinham a tradição de representar a realidade por meio de imagens desenhadas e pictóricas. Sua forte tradição era a representação do território pela cartografia.
Em 1594, o cronista André Álvares D’Almada refere-se algumas vezes a manguezais em rios da costa oeste africana. Um exemplo ilustrativo referente ao rio Gambia: “Na entrada deste rio, vai sendo assim de uma banda como da outra a terra chã, mas toda coberta de muito arvoredo de mangues, tão altos e grossos que, se não fora pau tão pesado, podiam fazer deles mastros para navio de bom porte, e outros paus de muito boa madeira forte, de cores, adamascados e vermelhos, que lá chamam de Carvão. Estes mangues chegam até onde chega a maré de água salgada e ali acabam.” (D’ALMADA, André Álvares. Tratado breve dos rios de Guiné do Cabo Verde. Porto: Typographia Commercial Portuense, 1841).
Ainda sobre o rio Gâmbia, outra primorosa descrição do manguezal, esta de André Donelha, escrevendo em 1625. Parece que, em algum ponto, ele repete D’Almada: “O mangue é mui rijo; as folhas arremedam as do loureiro, mas mais grossas e lisas; não dá fruto, mas dá umas flores pequenas, a modo de coroa de romã. Delas sai a raiz, a modo de uma vela de cera, e vem crescendo para baixo a buscar a terra, sempre direitos como um pique, delas de grossura de um dedo e como a vara da justiça, delas de comprimento de dois e três piques e de menos, segundo a altura do mangue, e se faz algum nó dele saem cinco e seis raízes. Tanto que dá na vasa, prende e se engrossa e deita ramos e folhas, que crescem para cima até dar flor e deitar outras raízes. Não se achará mangue que tenha o pé em terra, senão no ar, sobre raízes, de maneira de um braço e mão com os dedos abertos postos sobre uma mesa ou no chão, que servem das raízes. Sempre têm os mangues as folhas verdes, posto que caem muitas, não se verão sem folhas” (DONELHA, André. Descrição da Serra Leoa e dos rios de Guiné e do Cabo Verde. Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977).
O autor, com certeza, descreve o mangue vermelho, representado em todo o mundo intertropical por várias espécies.