Por dois dias de agosto de 2022, visitei a zona serrana do sul do Espírito Santo, num polígono delimitado pelos municípios de Conceição do Castelo, Muniz Freire, Ibitirama, Alegre, Jerônimo Monteiro, Cachoeiro do Itapemirim e Castelo. Mais que nos núcleos urbanos, examinei o relevo, os rios, as florestas e as atividades rurais.
Sei que dois dias é tempo insuficiente para avaliar as condições ambientais de uma região. Talvez para um marinheiro de primeira viagem, a observação seja válida. Não tanto, porém, para uma pessoa conhecedora do polígono que têm como marcos principais os rios Macaé e Itapemirim, como é o caso do autor desse artigo. Esses dois rios são tomados como os limites norte-sul do que denomino de Ecorregião de São Tomé, tendo ao sul a linha costeira e ao norte uma linha porosa que liga as nascentes dos rios Itapemirim, Itabapoana, Muriaé, Pomba e Pirapetinga.
As atividades econômicas tradicionais na Ecorregião de São Tomé e no polígono menor traçado e visitado pelo autor são o extrativismo mineral e vegetal, a agricultura, a pecuária, o comércio e muito pouco a indústria. Em resumo, atividades primárias e secundárias.
Tanto a área correspondente à Ecorregião de São Tomé quanto o polígono visitado recentemente pelo autor na parte serrana do sul-capixaba estão dentro dos biomas Mata Atlântica e Costeiro. Eles foram os primeiros a sofrerem impactos ambientais da colonização europeia. O processo de supressão da Mata Atlântica é secular. Até meados do século XIX, desmatar era sinônimo de civilização. Os europeus devastaram suas florestas. Inspecionando, em 1860, as colônias suíças no Espírito Santo (que incluíam alemães, belgas, franceses, italianos e chineses), o barão suíço Johann Jakob von Tschudi considerava importante desmatar para colonizar, desde que florestas em declives íngremes fossem preservadas para conter a erosão e que se evitassem queimadas para poupar o húmus (“Viagem à província do Espírito Santo”. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2004). Acompanhando D. Pedro II em sua viagem ao Espírito Santo, o fotógrafo francês Victor Frond registrou o processo de colonização promovido por europeus e orientais
O processo se acentuou muito desde então. Não foram poupadas as florestas em topos e encostas de morro. As matas ciliares foram removidas. O solo ficou exposto às intempéries. As chuvas torrenciais provocaram intensa erosão. A falta de vegetação nativa em pontos críticos não permite mais a infiltração de águas pluviais e a alimentação do lençol freático. Os rios foram assoreados pelo transporte de sedimentos para seu leito. E o fogo foi usado de forma intensiva como instrumento de limpeza de campos de lavoura e de pasto. Quanto aos rios, foram quase todos barrados para favorecer a irrigação da agricultura e da pecuária.
Até hoje, não foi feito um cálculo do volume de CO² lançado na atmosfera com a supressão da Mata Atlântica. Deve ter sido colossal. A crise ambiental causada pela economia ocidental em todo o mundo provocou mudanças climáticas. Quem desmatou ou não, quem mora em áreas continentais ou em ilhas sofre hoje as consequências do aquecimento global. A Terra está mais quente e seca, tanto no hemisfério sul quanto no hemisfério norte na mesma época do ano. Tanto a América abaixo da linha do equador quanto a Europa e a Ásia, acima dela, estão em estações climáticas diferentes, mas em todas elas a seca é ingente. O fogo devasta o mundo. O planeta se torna mais quente ano a ano.
O polígono visitado pelo autor em agosto, a Ecorregião de São Tomé, o estado do Espírito Santo, o Brasil e a América do Sul estão no planeta Terra. A era dos Estados Nacionais está passando. Não é mais possível soberania absoluta porque ecossistemas e biomas fundamentais, como o continente Antártico, o Ártico, a Sibéria, as florestas tropicais da Amazônia, do Congo e da Indonésia asseguram a manutenção do clima global na época do Holoceno. A globalização tornou os países supérfluos ou pelo menos limitados.
Voltando à parte serrana do sul capixaba, a breve viagem do autor no inverno de 2022 mostrou o desmatamento intenso. Restaram tufos de floresta, insuficientes para assegurar o equilíbrio ecológico. A própria Floresta Nacional de Pacotuba não passa de um fragmento pouco maior que os outros na área. Claro que é melhor protegê-la do que suprimi-la. Mas ela é insuficiente para conservar a umidade do solo e climatizar o ambiente.
Os rios estão estressados. Volume e nível estão baixos. Toda a área visitada integra a bacia do rio Itapemirim. Vários córregos não apresentam água corrente. Sabe-se de sua existência pelos pequeno vales sulcados. A vegetação indica que existe umidade, mas nem sempre a água está aparente. Quando está, não há fluxo. Mas há a previsão de obras para comprometer mais ainda a rede hídrica, como a barragem anunciada para o ribeirão Floresta.
A ONU informou que 2/3 dos rios do mundo estão barrados. E os barramentos continuam. Hoje, o desmatamento não é mais sinônimo de civilização, mas ele continua a ser praticado. Hoje, a domesticação dos rios não é mais indicativo de progresso, mas ela continua em marcha. Entende-se que a desaceleração da destruição ambiental não pode se processar de imediato. Contudo, o que se observa é que essa aceleração continua avançando na destruição de ecossistemas, no empobrecimento da biodiversidade, na liberação de gases do efeito-estufa, no ressecamento do solo e dos rios, na poluição, de modo geral. Houve alguma mudança de consciência no mundo, mas não uma prática que a acompanhe no mesmo ritmo.
Sabe-se que o governo do Espírito Santo decretou estado de atenção em todo o estado, em meados de agosto, por escassez de chuvas. Até com relação às providências em relação à questões ambientais, parece que estamos atrasados. Os fenômenos climáticos continuam sendo tratados como oscilações normais. São Pedro ainda é o responsável pelas chuvas torrenciais e pelas estiagens devastadoras. Na viagem, encontrei pessoas que rezavam para chover, como se não houvesse nenhuma responsabilidade da humanidade pela economia de mercado, verdadeira responsável pelo que vem sendo chamado de “novo normal climático”. Até mesmo meteorologistas tratam as oscilações climáticas como normais. Como se elas fossem características de cada estação: primavera-verão com chuvas; outono-inverno com secas. Tudo está em seu lugar. Nada mudou para o senso comum e para boa parte dos meios científicos. As oscilações climáticas se tornaram intensas. Essa é a nova estrutura do clima. Pela primeira vez, conseguimos a façanha de intervir no clima.