O bebê era tão novo que não sustentava a cabeça; estava lívido, enregelado e inerte quando Juan Francisco Valle, 41, o tirou das costas da mãe nas águas do mar Mediterrâneo, na costa de Ceuta – encrave espanhol no nordeste do Marrocos. A imagem percorreu o mundo redes sociais, jornais e emissoras de TV.
O resgate aconteceu na terça-feira (18), em meio a uma das maiores crises migratórias e diplomáticas entre Espanha e Marrocos. Na véspera, após um relaxamento na fronteira promovido pelo governo marroquino, milhares de pessoas tentaram atravessar a nado os 200 metros que os separavam da praia de Tarajal, no encrave espanhol.
Apesar da distância relativamente curta, muitos se atrapalharam com as roupas e com o tumulto. "Pulei na água assim que vi que a mãe se jogando no mar com o bebê. Eles iam se afogar se não os ajudássemos", contou Valle –ou Juanfran, como é conhecido– em entrevistas à mídia espanhola nos dias que se seguiram ao salvamento.
Mergulhador do Grupo Especial para Atividades Subaquáticas da Guarda Civil espanhola, ele diz ter pensado apenas em nadar com todas as suas forças para chegar à praia antes que o bebê morresse de frio. A ação lhe rendeu a alcunha de "herói de Jerez" na mídia da Andaluza, região em que nasceu, mas na memória de Juanfran esse foi um dia traumático: dois migrantes morreram tentando alcançar Ceuta.
"Era uma maré humana, centenas de desesperados. Tantas pessoas ao mesmo tempo que foi impossível cuidar de todas. Infelizmente, perdemos algumas", disse o agente, que não sabe contar quantas pessoas salvou nessa semana. Até que a situação se amainasse, na quarta-feira, ele dormiu de duas a três horas por dia e chegou a passar mais de dez horas seguidas no mar.
À emissora pública de TV RTVE, disse nunca ter passado por situação parecida. "Alguns estavam em brinquedos flutuantes, outros agarrados a qualquer coisa, como garrafas vazias. Alguns usavam coletes salva-vidas mal ajustados, que, em vez de manter a cabeça na superfície, a empurrava para baixo d'água."
Um dos momentos mais tensos foi a madrugada de segunda para terça, quando as pessoas começaram a saltar para o mar às dezenas, no escuro, e os integrantes do salvamento não conseguiam vê-los direito.
"Havia muitos pais e mães com seus filhos amarrados às costas com panos ou roupas, tentando sobreviver o melhor que podiam", descreveu ao jornal El País. Em muitos casos, as cabeças das crianças mal emergiam e, com a falta de luz, os agentes não sabiam se eram mochilas ou bebês. Idosos também passaram por momentos difíceis, afirmou.
Treinado para emergências, Juanfran foi mergulhador da Marinha espanhola antes de se integrar ao grupo especial da Guarda Civil, há cerca de dez anos. Em seu novo trabalho, ele se dedica principalmente a recuperar corpos de pessoas afogadas em rios, pântanos ou no mar.
"Desta vez tivemos que resgatar pessoas vivas", diz, afirmando que os agentes tentavam descobrir rapidamente quais os que mais precisavam de sua ajuda. O bebê e sua mãe –salva por um colega de Juanfran– passam bem, de acordo com o governo espanhol, que, no entanto, não informou o sexo do bebê nem forneceu nomes ou idades.
Dos cerca de 8.000 marroquinos que chegaram a Ceuta entre segunda e quarta-feira, 5.600 já haviam sido devolvidos ou voltaram voluntariamente, segundo autoridades espanholas. No encrave ficaram porém cerca de 800 menores desacompanhados, abrindo uma nova crise. Segundo a Cruz Vermelha, a maioria são meninos muito jovens, com menos de 14 anos.
Pela legislação espanhola, a responsabilidade sobre imigrantes é das províncias autônomas, mas a administração de Ceuta não tem estrutura nem recursos para cuidar das crianças e adolescentes. O governo central tenta negociar com outras províncias para que recebam menores.
O governo espanhol e a União Europeia criticaram o Marrocos por ter incentivado o tumulto nesta semana, em meio a uma crise diplomática acirrada no mês passado pela chegada à Espanha do líder de um movimento separatista do Saara Ocidental, considerado inimigo pelo governo marroquino.
A tragédia em Ceuta também rodou o mundo em outra imagem, a da voluntária da Cruz Vermelha Luna Reyes consolando um migrante desesperado. "Até que eu o abraçasse, ele apenas chorava de forma descontrolada e dizia que queria se matar", contou a espanhola de 20 anos.
No encrave desde março, onde faz estágio para complementar a formação universitária em serviços sociais, Luna diz que sabe apenas que o jovem que abraçou veio do Senegal. "Chorava como uma criança, segurando a mão de um amigo que parecia desacordado. Falava em francês, mostrando as mãos como se contasse. Acho que enumerava os amigos que havia perdido."
A jornais espanhóis, ela se disse chocada com as reações de parte do público, que a assediou com insultos em suas redes sociais. "Viram que meu namorado é negro e não param de me insultar e fazer comentários racistas horríveis."
A chefe da Cruz Vermelha de Ceuta, Isabel Brasero, defendeu a atitude da voluntária e disse que pessoas desesperadas precisam de acolhimento. "Dar um abraço no calor da hora é a coisa mais normal do mundo. Eu fui sua tábua de salvação", afirmou Luna. Internautas reagiram ao assédio com centenas de mensagem de apoio com a hashtag #graciasLuna.