Revisitando os manguezais situados entre os Rios Jucu e Itapemirim, constatei que eles sofreram poucas mudanças para melhor ou para pior. Do norte para o sul, a situação desses manguezais, em resumo, é a seguinte
Rio Jucu e Canal do Congo
Para drenar uma lagoa, o canal do Congo foi aberto até a foz do rio Jucu. Embora sem intenção, o órgão que rasgou o canal criou uma considerável área para ampliação do manguezal do Jucu, já que as marés puderam avançar até certo ponto do seu curso. Elas transportaram sementes (propágulos) que se fixaram e que se desenvolveram. Hoje, existe um bosque ativo em suas margens, com a presença das três espécies de mangue. O breve diagnóstico reconheceu siribeira (Avicennia germinans),mangue branco (Laguncularia racemosa) e mangue vermelho (Rhizophora mangleI, além de tocas de guaiamum (Cardisoma guanhumi).
Manguezal no Canal do Congo
No rio Jucu, alguns exemplares de siribeira apresentam raízes anômalas, embora não se possa asseverar qual seja o motivo do estresse. Seu curso final está legalmente protegido pelo Parque Municipal de Jacaranema, do município de Vila Velha. Contudo, ele não funciona como uma verdadeira unidade de conservação de proteção integral, pois há habitações e estabelecimentos comerciais em suas margens, além de tolerar-se a pesca amadorística em seus domínios, inclusive com estacionamento para veículos motorizados.
Entrada do Parque Municipal de Jacaranema. Edificações, estacionamento de veículos e pesca amadorística em seu interior e arredores
Exemplar de siribeira com raízes anômalas, sinal de estresse. Foto do autor
Tanto no rio Jucu quanto no canal do Congo, a urbanização é a principal ameaça ao manguezal, não só por desmatar áreas que, por lei, caberiam a ele, como por todos os problemas que decorrem de um meio urbano sem infraestrutura: esgoto e lixo.
Invasão de edificações na Área de Preservação Permanente no Canal do Congo. Foto do autor
Há inegáveis indícios de dragagem e retilinização do rio Jucu a montante da Rodovia do Sol cujos impactos na foz ainda não foram estudados. A partir da barra do rio Jucu, é possível acompanhar seu curso em direção ao norte, notando seu traçado retilinizado. Quanto ao canal do Congo, ao sul, ele já nasceu canalizado.
Rio Una
Na composição vegetal do manguezal do pequeno rio Una, está presente uma das duas espécies de siribeira que ocorrem na costa atlântica da América, a Avicennia schaueriana. A rápida busca que realizei não localizou a A. germinans, o que não significa a sua ausência. O curioso é que um exemplar adulto de amendoeira (Terminalia catappa) e alguns de mangue-de-botão (Conocarpus erectus) cresceram no interior da área lambida pelas marés, demonstrando grande tolerância destas espécies à salinidade. A amendoeira é uma espécie exótica aos ecossistemas americanos. Embora o manguezal seja um ecossistema intertropical, com considerável número de espécies, a amendoeira não figura entre elas. O mangue-de-botão pode cortejar o manguezal, mas cuida de manter seus pés na área supramaré. No entanto, cabe salientar que as duas espécies integram a família das combretáceas, da qual também faz parte o mangue branco. Registrei também tocas de guaiamum na área supramaré, mostrando que essa espécie de caranguejo atua mesmo como demarcador do manguezal.
Exemplares de mangue-de-botão desenvolvidos e sadios na área banhada pelas marés no manguezal do rio Una
Tocas de guaiamum no manguezal do rio Una
Os problemas que afligem o manguezal do rio Una são praticamente os mesmos encontrados em quase todos os manguezais. O rio foi cortado por estradas, embora a principal delas – a ES 060 – cruze seu curso sobre uma ponte devidamente dimensionada. A urbanização é a mazela maior, acarretando desmatamento para a obtenção de área a ser ocupada, o crescimento urbano desordenado, o esgoto e o lixo.
A ancoragem de pequenos barcos de pesca também causa impactos com o descarte de óleo. Embora ele flua para o mar, este o devolve ao manguezal por meio das marés. No entanto, não avistei plantas emitindo raízes anômalas, como é comum acontecer se o despejo de óleo não atingir dosagem letal aos vegetais.
Urbanização e ancoragem de barcos de pesca no estuário do rio Una
Não há marcas visíveis de dragagem e canalização do rio. É perfeitamente possível a execução de obras que permitam o sistema voltar a funcionar normalmente.
Rio Perocão
O manguezal do rio Perocão deve ter sido cerrado. Dele ainda resta um bosque expressivo entre a ponte do antigo traçado da ES-060 e do novo traçado dela. Além do onipresente mangue branco (Laguncularia racemosa) e do mangue vermelho (Rhizophora mangle), encontrei o mangue siribeira representado por Avicennia schaueriana. Como A. germinans ocorre nos manguezais dos rios Jucu e Una, ela deve ocorrer neste rio.
Bosque de manguezal bem conservado à margem direita do rio Perocão a montante da antiga Rodovia do Sol. Intensa urbanização na margem esquerda
Mais uma vez, o grande problema detectado é a urbanização completamente descontrolada. Até mesmo nas margens pedregosas da foz, junto ao mar, erguem-se habitações de ricos proprietários. Da foz até a ponte sobre o traçado da antiga Rodovia do Sol (ES-060), o manguezal foi radicalmente suprimido para dar lugar a edificações, restando apenas algumas plantas. Nem mesmo lugar para espécies invasoras restou. Como nos dois rios examinados, a prática de um turismo de baixa renda revela-se predatório.
Adensamento urbano na margem direita do rio Perocão, entre o antigo traçado da Rodovia do Sol e a foz, resultando na supressão do manguezal
O estirão do rio entre o antigo e o novo leito da ES-060 não foi dragado e canalizado. As marés se espraiam nesse trecho formando um bosque de mangue bastante expressivo e merecedor de estudos ecológicos.