Raryane Rodrigues mostra alhos colhidos em sua propriedade, em Muqui
O Espírito Santo, que já figurou entre os maiores produtores de alho do país, começa a retomar protagonismo na cultura com o uso de tecnologias capazes de elevar tanto a produtividade quanto a qualidade do produto. A adoção do alho-semente livre de vírus, introduzido no Estado por meio de parceria entre o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), a Embrapa Hortaliças e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), permitiu que agricultores familiares alcançassem rendimento de até 16 toneladas por hectare – desempenho superior à média estadual, de aproximadamente 9 t/ha, e também à média nacional, estimada em 13 t/ha.
Os resultados foram apresentados neste mês, durante o encontro técnico de encerramento do projeto “Apoio ao fortalecimento da cadeia de valor do alho na região central do ES”, realizado no Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Serrano do Incaper (CPDI Serrano), em Domingos Martins, com presença de pesquisadores, extensionistas, técnicos agrícolas e agricultores.
Os experimentos conduzidos em diferentes municípios capixabas registraram produtividades entre 12 e 16 t/ha, com destaque para Santa Maria de Jetibá, que atingiu os maiores índices. A melhoria não se restringiu ao rendimento: produtores passaram a colher cabeças e dentes maiores, mais resistentes e mais uniformes, aumentando o valor comercial do produto.
O agricultor Rosemiro Schmidt, de Santa Maria de Jetibá, destaca que a tecnologia representou uma mudança profunda em sua propriedade. “Eu sempre trabalhei com sementes de alho crioulo e tinha muita dificuldade com pragas e doenças. Não conseguia produzir um alho de qualidade, e isso prejudicava muito na hora de vender. Com o alho livre de vírus, eu já consigo produzir um alho melhor, com mais qualidade e maior produção. Com isso, o custo fica mais barato e eu consigo um preço bem melhor na hora de negociar”, afirma o produtor.
Além da qualidade das sementes, o acompanhamento técnico do projeto foi essencial para a mudança de desempenho dos agricultores. “O manejo desse tipo de alho é bem diferente. Só o corte da irrigação, que precisa ser feito no momento exato, já exige mais conhecimento. Sem o suporte técnico, eu não teria conseguido. Foi fundamental para alcançar esse resultado”, explica Rosemiro.

Participante do projeto, o agricultor Rosemiro Schmidt colhe alhos em Santa Maria de Jetibá. Foto: acervo do produtor
Distribuição de sementes e multiplicação local
Ao longo dos três anos de execução, o projeto distribuiu 536 kg de alho-semente livre de vírus, beneficiando 116 agricultores familiares. As variedades mais utilizadas foram as seminobres Gigante Roxo e Amarante, já conhecidas pelos produtores. Em caráter experimental, também foram entregues pequenas quantidades das variedades nobres Ito e Quitéria. Paralelamente, a equipe de pesquisa avalia 21 cultivares, em busca de materiais mais produtivos e adaptados ao Espírito Santo.
Uma parte dos agricultores atendidos foi selecionada como multiplicadora de alho-semente, ampliando a oferta de material propagativo no Estado e reduzindo custos. O alho-semente pode representar até 30% do custo total da lavoura, e a autonomia dos multiplicadores diminui o risco para quem deseja voltar a investir na cultura.
O produtor Rosemiro Schmidt vê nisso uma oportunidade para toda a comunidade onde vive. “Minha expectativa é que minha família se torne produtora de sementes de alho nobre e seminobre. E o pessoal da comunidade já está me procurando, querendo sementes. Acredito que isso vai aumentar a produção de alho de qualidade na nossa região”, avalia.
Tecnologia avançada aplicada ao campo
Cultura de ápices caulinares in vitro. Foto: Francisco Vilela/Embrapa
Sob coordenação dos pesquisadores Francisco Vilela Resende (Embrapa Hortaliças) e Andréa Ferreira da Costa (Incaper), o projeto aplicou integralmente o protocolo de limpeza de vírus da Embrapa — um dos mais avançados do mundo — que inclui termoterapia, cultura de ápices caulinares, bulbificação in vitro, testes laboratoriais (ELISA e PCR) e manutenção de matrizes livres de vírus em telados, que são estruturas protegidas.
Duas dessas estruturas foram instaladas no CPDI Serrano, equipadas com telas antiafídeos que impedem a reinfecção por vírus transmitidos por insetos. Todo o alho-semente distribuído aos produtores passou por esse processo de controle sanitário rigoroso.

Interior do telado no CPDI Serrano do Incaper – Foto: Andrea Costa
A pesquisadora Andréa Costa enfatiza o impacto da tecnologia. “A produtividade de um alho livre de vírus sempre será maior do que a de um alho infectado. As viroses podem causar perdas de 30% a 50% e comprometer a qualidade do bulbo. Por isso essa tecnologia é tão importante”, frisa.
Ela destaca ainda que o potencial produtivo tende a aumentar. “O material distribuído ainda não atingiu seu tamanho máximo, porque saiu há pouco tempo dos telados. À medida que os ciclos avançam, agricultores mais experientes podem alcançar até 20 toneladas por hectare. Além disso, devemos recomendar novas variedades que produzem entre 5 e 7 toneladas a mais que o Gigante Roxo e o Amarante”, pontua.
Novas áreas e diversificação agrícola

Colheita em experimento no município de Colatina
Agricultores de Domingos Martins, Santa Maria de Jetibá, Linhares, Colatina, Cariacica, Alegre, Venda Nova do Imigrante, Muqui e Alfredo Chaves participaram da iniciativa. Além de fortalecer a região serrana, onde a cultura já foi muito expressiva, o projeto levou experimentos a municípios sem tradição no cultivo, como Linhares, Colatina e Muqui. Nessas áreas, os resultados confirmaram o potencial para a diversificação da agricultura familiar.
Capacitações também foram ofertadas a produtores e técnicos, disseminando conhecimentos sobre manejo, práticas sanitárias, condução da lavoura e avaliação de cultivares.
Próximos passos
Reunião de encerramento do projeto, no CPDI Serrano – Foto: Andrea Costa
Durante o evento de encerramento, a equipe de pesquisa apresentou ao MDA uma proposta para a segunda fase do projeto, prevista para 2026. A nova etapa prevê ampliação da produção, introdução de novas cultivares, fortalecimento das ações de pesquisa e expansão da rede de multiplicadores.
Também está programado um intercâmbio técnico na Bahia, a ser realizado em junho de 2026, reunindo agricultores e extensionistas capixabas para troca de experiências em um dos principais polos produtores de alho do país.
Para Andréa Costa, os resultados representam uma virada na cultura do alho no Estado, que em 2024 produziu apenas 863 toneladas da hortaliça. “O alho capixaba vinha perdendo qualidade e produtividade, desanimando os agricultores. Com essa tecnologia, estamos abrindo um novo ciclo, mais competitivo e sustentável”, avalia a pesquisadora.
O pesquisador Francisco Vilela concorda. “Com o uso do alho-semente livre de vírus e o manejo adequado, acreditamos ser possível resgatar e consolidar a cultura do alho no Espírito Santo, assim como ocorreu em Minas Gerais e na Bahia”, afirma.