A colonização europeia nos séculos XVI e XVII
Quando os europeus, representados por espanhóis e portugueses, chegaram à América, não encontraram um continente despovoado de humanos. Havia nele um grande número de grupos culturais que se distribuíam do Círculo Polar Ártico ao estreito de Magalhães. Havia, entre eles, grupos que ainda viviam da coleta, caça e pesca. A maioria já conhecia a agricultura, embora não a praticasse intensivamente, como na Eurásia. É que a natureza era pródiga e inibia a atividade agrícola. Quase todos já conheciam a cerâmica e a pedra polida (NEVES, Eduardo Góes. Não existe neolítico ao sul do Equador: as primeiras cerâmicas amazônicas e sua falta de relação com a agricultura. BARRETO, Cristiana; LIMA, Helena Pinto e BETANCOURT, Carla Jaimes (orgs.) Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese. Belém: IPHAN/Ministério da Cultura, 2016). Nos Andes, na América Central e no atual México, grupos culturais já haviam alcançado altos estágios civilizacionais.
Esses povos foram chamados de “nativos” e ‘índios” pelos europeus. Na linha do politicamente correto, propõe-se agora que eles sejam designados de originários. Não é a expressão mais adequada porque esses grupos humanos não são originários da América. Só se pode usar esse termo em relação à África, pois lá nasceu a humanidade. A América foi o último continente a ser ocupado pelos humanos. Esses pioneiros se alastraram pelas novas terras em consonância com as limitações impostas pela natureza.
Durante os trinta primeiros anos da chegada, os portugueses não colonizaram as terras do que seria o futuro Brasil. Seu interesse maior estava voltado para o Oriente. O Brasil só lhes oferecia pau-brasil. A ameaça de outros povos europeus, sobretudo os franceses, levou Portugal a iniciar a colonização do Brasil. O sistema escolhido foi o de capitanias hereditárias, já aplicado na ilha da Madeira e no arquipélago dos Açores. Uma capitania hereditária era um grande lote de terra doado a um homem de posse ou de prestígio no reino português por ter prestado serviços à Coroa Lusa.
Nem sempre foi assim. Parece que a pequena nobreza recebeu alguns desses lotes, maiores que o próprio Portugal, para colonizar sem ônus para o reino. Pelo contrário, este detinha o monopólio ou o direito de parte dos produtos explorados.
Dividido o Brasil em capitanias, couberam a Vasco Fernandes Coutinho a capitania do Espírito Santo e a Pero de Gois a capitania de São Tomé, doadas na terceira década do século XVI. Coutinho ergueu a sede da sua capitania em Vila Velha. Gois escolheu a margem direita da foz do rio Itabapoana para se instalar, construindo ali a Vila da Rainha. O limite entre as duas capitanias era vago: foi estabelecido em Baixo dos Pargos, provavelmente uma parte rasa dentro do mar resultante do desgaste de uma ilha de material argiloso.
Vasco Fernandes Coutinho e Pero de Gois firmaram um acordo para definir mais claramente os limites das duas capitanias. Ficou estabelecido o rio Itapemirim como divisa. Esse rio foi batizado de Santa Catarina, em homenagem à rainha de Portugal. O acordo foi aprovado pelo rei D. João III em 1543. A capitania do Espírito Santo prosperou. A de São Tomé faliu por volta de 1546. Os motivos da falência foram a falta de recursos financeiros, ataques dos puris provavelmente e de capixabas. Gil de Gois, filho de Pero, fez ainda outra tentativa de colonizar a capitania, levantando um povoado na margem direita da foz do Itapemirim com o nome de Santa Catarina da Mós.
Pairaram dúvidas a respeito desse segundo núcleo, apesar das palavras categóricas de Alberto Frederico de Morais Lamego ( LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. A terra goitacá vol. I e – Mentiras históricas. Rio de Janeiro: Record, s/d. DAEMON, Basílio Carvalho. Província do Espírito Santo: sua descoberta, história cronológica, sinopse e estatística, 2ª edição. Vitória: Secretaria de Estado da Cultura/Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. 2010). Em 1619, Gil de Gois devolveu oficialmente a capitania à Coroa Ibérica (Escritura de contrato entre os procuradores de Sua Magestade e Gil de Goes sobre a Capitania de Cabo Frio, Estado do Brasil. Revista Trimensal do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, Tomo LVI, Parte I. Rio de Janeiro, Typographia do Brazil, 1893). A capitania de São Tomé renasceu com o nome de Capitania da Paraíba do Sul, sob o comando da família Correia de Sá e Benevides, no século XVII.
No final do século XVII, o donatário da Capitania do Espírito Santo, Francisco Gil de Araújo, mandou arrancar por duas vezes os marcos e os vestígios entre seus domínios e os de Pero de Gois, embora a capitania de São Tomé já houvesse sido devolvida. No entanto, em 1679, a família Correa de Sá havia pedido que a capitania de São Tomé lhe fosse entregue. O que Francisco Gil de Araújo procurava remover eram as ruínas de Santa Catarina das Mós, núcleo erguido por Gil de Gois. A Coroa deu ganho de causa ao visconde Asseca e seu tio (ambos da família Correa de Sá). Não contente com a decisão da Coroa, Francisco Gil de Araújo apresentou reclamação formal a ela (LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. A Terra Goytacá à luz de documentos inéditos, vol. 1. Bruxelas-Paris, L’Edition D’Art. 1913).
Século XVIII
No início do século XVIII, as capitanias do Espírito Santo e Rio de Janeiro definiram seus limites no rio Itabapoana. A capitania de São Tomé e depois de Paraíba do Sul, cujos limites ao sul era uma linha coincidente com o rio Macaé e, ao norte, o rio Itapemirim por acordo de seus donatários, foi englobada na capitania do Rio de Janeiro como Distrito dos Campos dos Goytacazes. Distrito era uma unidade administrativa dentro de uma capitania, assim como a comarca, dentro de uma província do Império, e uma região, dentro de um estado da federação do Brasil.
Em 1785, o capitão-cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis confirmava os limites do distrito: “O seus termos ou limites de Norte a Sul são os Rios Cabapuana [hoje Itabapoana] e Macaé: este os divide do Distrito de Cabo Frio, assim como aquele do da Capitania do Espírito Santo, tendo de um a outro extremo confinante, 28 léguas da extensão contadas pela costa.” (COUTO REIS, Manoel Martins do. Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis – 1785: Descrição geográfica, política e cronográfica do Distrito dos Campos Goitacazes. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima; Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011).
Em 1742, a administração da justiça no Distrito de Campos dos Goytacazes ficou a cargo da Capitania do Espírito Santo. Tratava-se de uma situação atípica: economia, política e administração continuavam com a capitania do Rio de Janeiro, mas a justiça era administrada pela capitania do Espírito Santo. Essa situação perdurou até 1832. Por noventa anos, portanto, período em que o Espírito Santo foi avançando sobre Campos, ao mesmo tempo que Campos se aproximava progressivamente do Rio de Janeiro (SOARES, Eugênio. Vivendo em tempos de tirania: a vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes, tão perto do Rio de Janeiro, tão longe do Espírito Santo (1808-1832). Rio de Janeiro: Autografia, 2018).
Quanto à colonização da bacia do Itapemirim, processou-se ela como em todas as bacias cujos rios principais desembocam no mar. Os europeus chegaram às terras do futuro Brasil pelo mar. Logo, os primeiros pontos tocados só poderiam ser costeiros. Não cabia começar a colonização pelo interior. Ele era cercado de temores: florestas e povos pioneiros representavam um grande perigo, ainda que no imaginário. O que favoreceu a conquista e a colonização do interior foram os rios Itapemirim, Itabapoana, Muriaé e Pomba, todos eles com nascentes na Zona da Mata e navegáveis em quase todo seu percurso em tempos de cheia até o início do século XX. Por eles, conquistadores subiam a zona serrana ou desciam de Minas Gerais. A colonização se consolidou no século XIX.