Rios do sul capixaba: aspectos de história ambiental (III)

Por Arthur Soffiati

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16/05/2025

Arthur Soffiati

Intelectual por vocação e ofício, ecólogo militante, pioneiro da área de História Ambiental no país

Além dos naturalistas europeus Maximiliano de Wied-Neuwied e Auguste de Saint-Hilaire, não conheço relato sobre o território entre os rios Itapemirim e Itabapoana que contenha alguma informação sobre córregos, lagoas e pântanos. Continuemos no século XIX, examinando a cartografia. A “Chart of the Coast of Brasil from Cape Castellanos to Santos”, desenhada por A. Arrowsmith em 1809, mostra um vazio entre o rio Cabapuana (Itabapoana) e Iritiba (Reritiba/Benevente). Maximiliano valeu-se desse mapa em sua viagem científica pela costa entre Rio de Janeiro e Salvador. Ele notou que o mapa precisava ser detalhado e foi incluindo nele informações ao longo da excursão.

Chart of the Coast of Brasil from Cape Castellanos to Santos. A. Arrowsmith

A “Carta da Província do Espírito Santo”, editada em meados do século XIX no Rio de Janeiro pela Litografia Imperial de Bensburg, contém mais detalhes. A lagoa de Marobá está ligada ao rio Itabapoana. Sabemos que este sistema hídrico é independente, mas aparecerá em vários mapas como afluente do Itabapoana. Há outra lagoa ao norte formada por um riacho. Ela se comunica com o mar. Supostamente, trata-se da lagoa do Siri, pois o sistema não é nomeado. Logo abaixo, um córrego não nomeado foi assinalado, mas não nomeado. As falésias aparecem como Barreiras do Siry. Apenas um núcleo urbano figura nesses ermos: a Vila Nova.

Em 1856, o Jozé Mauricio Fernandes Pereira de Barros, então presidente da província, promove a publicação da “Carta da Província do Espírito Santo com parte da Província de Minas”, organizada pelo tenente João José de Sepulveda e Vasconcellos. Só figuram a lagoa de Marobá, sem riacho formador e sem ligação com o mar, e as barreiras do Siry.

Em 1861, o engenheiro E. de la Marthiéri, às expensas da presidência da província, publicou a “Carta chorographica da Provincia do Espírito Santo”. A lagoa de Marobá não aparece mais sozinha nem ligada ao Itabapoana. Ela está no final do rio de mesmo nome, mas não alcança o mar. Estão também assinaladas as barreiras do Siry e nada mais. Seja como for, os detalhes começam a aparecer na cartografia.

No “Mappa geral da Província do Espírito Santo, em que figura a maior parte da província do Rio de Janeiro, desenhado por C. Krauss e publicado pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 1866, voltamos no tempo. A lagoa de Marobá volta a ligar-se ao rio Itabapoana. Assinala-se um rio sem indicação de nome. Aparecem as barreiras do Siry e a Vila Nova. Não parece tratar-se de um trabalho de campo, mas de cópia de mapas anteriores, o que era bastante comum na época. A finalidade da carta era mostrar as colônias de imigrantes e as vias de comunicação. O sul do Espírito Santo aparece ermo nesse aspecto, pelo menos entre os rios Itabapoana e Itapemirim.            

A surpresa fica por conta da “Planta de Traçado de Linha Telegráfica” entre os rios Itabapoana e Itapemirim”, datada de 1871. As letras estão desbotadas. Não há garantias do autor e da data. Aparecem nela nove sistemas hídricos independentes. De forma legível, assinalam-se os rios Itabapoana e Itapemirim, juntamente com a lagoa de Marobá. O mapa contém legendas manuscritas e colorido predominantemente azul.

Planta de Traçado de Linha Telegráfica

Os naturalistas europeus que excursionaram pela costa brasileira deslumbram-se, em seus escritos, com o território situado entre os rios Itabapoana e Itapemirim por suas falésias, suas praias, sua vegetação nativa (tanto do litoral quanto dos tabuleiros, que estão muito próximos) e sua fauna. Os pontos povoados por europeus e descendentes eram o Quartel da Boa Vista e a lagoa do Siri, ambos sob constante ameaça de indígenas que se sentiam ameaçados por estrangeiros. Ao que tudo indica, eram puris. Os pontos principais de “civilização” eram, então, a Fazenda Muribeca, às margens do Itabapoana, e a vila de Itapemirim, junto ao rio do mesmo nome.            

Só mesmo algumas pesquisas acadêmicas empreendidas nesta área vão trazer mais detalhes ao conhecimento científico. Este será o tema do último artigo da série.

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