Rios do sul capixaba: aspectos de história ambiental (II)

Por Arthur Soffiati

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23/04/2025

Arthur Soffiati

Intelectual por vocação e ofício, ecólogo militante, pioneiro da área de História Ambiental no país

O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire atravessou o sul do Espírito Santo, entre os rios Itabapoana e Itapemirim, em 1818. Três anos após a passagem de Maximiliano de Wied-Neuwied. Distintamente deste, Saint-Hilaire não era tão romântico em suas descrições. Ele não revela tanto encantamento com as florestas ainda existentes entre a praia de Manguinhos, na capitania do Rio de Janeiro, e a fazenda da Muribeca, às margens do rio Itabapoana. Chegando à fazenda, ele avistou baixas colinas, uma planície, mata virgem, uma grande relva, animais pastando, um engenho de açúcar, a casa grande e a senzala. Ele denomina o Itabapoana de rio Muribeca, observando que, quando pertenceu aos Jesuítas, as matas eram mais extensas e exuberantes. Mas considera o lugar ainda belo e solitário. A paisagem mudou muito desde então. Hoje, ela está desprovida de encantos. Não é mais bela nem solitária. O cientista se refere à beligerância dos povos indígenas narrada pelos moradores da fazenda.

Igreja Nossa Senhora das Neves, no âmbito da fazenda Muribeca, ainda hoje existente. Foto do autor

Mas não deixa de apreciar o local ao continuar sua excursão rumo a Itapemirim: “essa risonha planície (…) forma espécie de oásis no meio de sombrias florestas. O céu apresenta um azul dos mais brilhantes, e a calma profunda que reinava na natureza junta mais encanto à paisagem”. Saint-Hilaire saía de um terreno de tabuleiros para entrar no terreno arenoso da restinga de Morobá, que parece represar cursos d´água que descem das áreas altas e se tornam alagoados. Ao fim de suas considerações, Saint-Hilaire observa que o pequeno rio Muribeca passa a se chamar Camapuana ou Cabapuana em sua foz. Aqui termina o livro “Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil”.

Foz do córrego de Morobá. Foto do autor

Logo no início de “Viagem ao Espírito Santo e rio Doce”, que dá continuidade ao livro anterior, encontramos Saint-Hilaire em meio a florestas virgens, seguindo-se logo uma praia. Agora, ele sente medo de ataques indígenas. Vem-lhe à mente a história que Maximiliano ouvira três anos antes sobre o ataque de indígenas antropófagos que capturou um menino negro encontrado mais adiante com o corpo esquartejado. Ele chegou ao posto militar de Boa Vista sem anotar nenhum riacho ou lagoa. Sabemos que esses ambientes aquáticos estavam lá até em maiores proporções que atualmente. Mesmo assim são pequenos. Talvez por isso foram vistos, mas não registrados pelo naturalista. Ele notou a presença de falésias na costa.

            Saint-Hilaire registrou a existência da ilha das Andorinhas, ainda hoje desconhecida de muitos. Terá sido ela o Baixo dos Pargos do século XVI definido como o primeiro limite entre as capitanias de São Tomé e Espírito Santo? Sendo formada de barreiras, sua tendência é desaparecer com a erosão marinha.

Ao deixar o quartel de Boa Vista, ele encontrou uma praia com areia compacta que facilitava a caminhada. O cenário descrito confirma perfeitamente a paisagem desse trecho da costa no passado: do lado do mar, a praia com vegetação de restinga. Do lado do interior, a floresta de tabuleiros. Ele desconfia do relato dos soldados a respeito da violência indígena.            

Chegou a um lugar denominado Ceri. Maximiliano também registrou esse local três anos antes, informando que ele estava sendo abandonado pelos poucos moradores por temor de ataque indígena. Saint-Hilaire encontrou apenas um morador velho que estava disposto a morrer do que abandonar sua pobre casa. O naturalista francês passou por vários pequenos rios e não os registrou. Ceri é hoje a lagoa do Siri, lugar turístico logo ao sul de Marataízes. Saint-Hilaire faz, então, considerações sobre a nação indígena que povoava aquela área então muito pouco habitada por pobres e soldados. Talvez botocudos, coroados ou puris.

Barra da lagoa do Siri. Em plano médio, a ponte estrangulando o ecossistema. Ao fundo, na margem elevada da lagoa, ausência de mata nativa e cultivo sem curva de nível, favorecendo a erosão e o assoreamento. Foto do autor (2001)

Logo, então, ele chega à vila de Itapemirim, atravessando uma área de colinas e uma planura. O botânico francês é mais econômico que o príncipe alemão Maximiliano. As descrições de ambos se complementam. O destaque fica por conta de Saint-Hilaire, notando a existência da pequenina ilha das Andorinhas, ainda existente. Caberia uma expedição de estudos a ela.

Lagoa de Caculucage. Foto do autor

Quanto aos riachos/lagoas do sul capixaba, a cartografia torna-se progressivamente detalhada sobre eles no decorrer do século XIX.  

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