A receita nasceu da adaptação das famílias locais às condições geográficas e culturais do século XIX, e se tornou um símbolo da identidade do município.
Na Semana Santa, o aroma que invade as cozinhas de Alfredo Chaves não deixa dúvidas: é tempo de torta. Mas por aqui, a receita ganha um toque singular que a diferencia da tradicional torta capixaba feita especialmente no litoral. Longe do mar, mas cercada de história, a versão alfredense preserva um modo de preparo que carrega séculos de memória, resistência e afeto.
Ao contrário da torta capixaba mais conhecida, repleta de frutos do mar, a torta feita pelas famílias de Alfredo Chaves leva apenas palmito, bacalhau salgado, temperos colhidos da horta e ovos caipiras. E isso não é por acaso. A receita nasceu da adaptação das famílias locais às condições geográficas e culturais do século XIX, e se tornou um símbolo da identidade do município.
Tradição nascida da mistura de povos
A história dessa torta remonta à época da colonização, quando Alfredo Chaves recebeu, entre outros, imigrantes portugueses e italianos, que aqui se encontraram com os povos indígenas originários e com a herança africana que ajudou a moldar a cultura local. Essa diversidade é refletida na culinária. Como a tradição cristã é predominante, muitas famílias jejuam na época da quaresma e na Semana Santa se abstém de carne, a torta surgiu como uma das opções para substituir.
A pesquisadora e escritora Penha Fronzotti detalha um pouco essa tradição. “Longe da costa, sem acesso fácil ao mar, os moradores aproveitavam o que havia em abundância nas redondezas: os palmitos extraídos das matas nativas, os temperos frescos das hortas no quintal e os ovos das galinhas criadas com cuidado. O peixe salgado, principalmente o bacalhau, era adquirido em Anchieta, em viagens mensais, ou nas chamadas ‘vendas’ – os estabelecimentos comerciais da época, que abasteciam a população com produtos vindos de outras regiões”, destaca a pesquisadora, que é moradora de Matilde.
Penha Fronzotti: pesquisadora.
“Essa combinação criou uma torta única, simples nos ingredientes, mas riquíssima em significado, com elementos em torno de Alfredo Chaves. Mais que um prato, ela é um retrato da criatividade e da união entre os povos que construíram a história do município”, acrescenta a pesquisadora.
Receita passada de geração em geração
Rosa Módolo, 63 anos, moradora da Sede, mas nascida no interior, é uma das guardiãs dessa tradição. Aprendeu a preparar a torta com a mãe e nunca deixou de fazê-la na Semana Santa. “Aqui em casa não pode faltar. É tradição e é história em mesa”, conta com emoção.
O modo de preparo segue um ritual respeitado com carinho: o bacalhau é dessalgado com antecedência, os palmitos são refogados com alho, cebola e cheiro-verde e, por fim, os ovos são misturados delicadamente para dar leveza e cor à torta, que vai ao forno por meia hora.
Sabores que acolhem e encantam visitantes
Durante a Semana Santa, Alfredo Chaves recebe inúmeros visitantes que vêm rever a família, curtir as cachoeiras e, claro, saborear a famosa torta. Restaurantes e padarias também entram no clima e oferecem a iguaria, que se tornou uma atração à parte.
Mais que um prato típico, a torta capixaba à moda de Alfredo Chaves é um elo entre o passado e o presente, entre gerações que compartilham histórias ao redor da mesa. Uma tradição que segue viva, alimentando corpos e corações com sabor, memória e identidade.

Ingredientes: para uma torta média
1,5 cebola bem picadinha
8 dentes de alho amassados
1,5 col. chá de sal (doure bem tudo isso!)
50g de cheiro-verde
20g de azeitona picada
1kg de bacalhau dessalgado
1,5kg de palmito cozido e amassadinho (refogue por 5 min)
Com a panela morna, adicione 9 ovos batidos (mexa bem e leve pra assar)
Finalização:
Bata 3 claras em neve e cubra a torta
Decore com fatias de cebola e azeitona
Asse por 30 a 40 minutos
Deixe repousar por 10 minutos – Sirva-se e aproveite!