Transformações no corpo humano após três dias no espaço sideral

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O Globo

Atracação da Starliner na ISS — Foto: Divulgação/Nasa

Os tripulantes da nave Starliner da Boeing, que decolaram da Flórida em 5 de junho e tinham previsão de retorno para o último dia 26, tiveram o pouso adiado mais uma vez, anunciou a Nasa. A empresa afirmou que a cápsula pode permanecer na Estação Espacial Internacional (ISS) por 45 dias ou mais, se necessário. À bordo, estão os astronautas veteranos Butch Wilmore e Suni Williams, ambos ex-pilotos de teste da Marinha dos Estados Unidos. Esta é a primeira missão tripulada da Starliner à ISS.

Recentemente, um estudo pioneiro no tema revelou que mesmo em viagens curtas fora do planeta provocam mudanças no corpo humano – bastam três dias. Em setembro de 2021, quatro astronautas, que passaram três dias fora da Terra, experimentaram mudanças físicas e mentais, como quedas em testes cognitivos, sistemas imunológicos estressados e alterações genéticas dentro de suas células. Os resultados foram abordados no trabalho publicado na revista Nature.

Quase todas as mudanças nos astronautas voltaram ao normal após o retorno à Terra. Nenhuma das alterações pareceu representar um grande alerta para futuros viajantes espaciais. No entanto, os resultados também destacaram como os pesquisadores médicos sabem pouco sobre essas alterações em primeiro lugar.

Christopher Mason, professor de Genômica, Fisiologia e Biofísica da Weill Cornell Medicine, em Nova York, classificou as descobertas como “o exame mais aprofundado que já tivemos de uma tripulação”.

Os quatro astronautas viajaram em uma missão conhecida como Inspiration4, que foi a primeira viagem à órbita onde nenhum dos membros da tripulação era astronauta profissional. Jared Isaacman, um empresário bilionário, liderou a missão e, em vez de levar amigos, recrutou três viajantes com o objetivo de representar uma fatia mais ampla da sociedade. Hayley Arceneaux, assistente médica que sobreviveu ao câncer na infância, Sian Proctor, professora de geociências em um colégio comunitário e Christopher Sembroski, um engenheiro, foram os escolhidos para a viagem no espaço.

Os tripulantes consentiram em participar de experimentos médicos – que coletaram amostras de sangue, urina, fezes e saliva durante o voo – e permitiram que os dados fossem catalogados em um arquivo conhecido como “Atlas de Space Omics e Medicina (SOMA)”. Embora anônimos, os dados não estavam tão privados, pois havia apenas quatro tripulantes no Inspiration4.

— Você, provavelmente, poderia descobrir quem é quem. Contudo, sinto que há mais benefícios do que prejuízos em compartilhar minhas informações para que a ciência progrida e aprenda — afirmou a professora Sian Proctor, que foi uma das tripulantes.

Saiba quem é o astronauta de origem latina que permanece no espaço há quase um ano

Frank Rubio, de 47 anos, é filho de pais salvadorenhos e quebrou o recorde da missão mais longa em órbita já realizada por um norte-americano — Foto: NASA / Frank Rubio
Rubio nasceu em Los Angeles, nos Estados Unidos, mas viveu seus primeiros anos na América Central — Foto: NASA / Frank Rubio

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Na foto, Frank Rubio, engenheiro de voo da Expedição 68, espia por uma das sete janelas da cúpula, a 'janela para o mundo' da Estação Espacial Internacional — Foto: NASA / Frank Rubio

Frank Rubio, de 47 anos, é filho de pais salvadorenhos e quebrou o recorde da missão mais longa em órbita já realizada por um norte-americano

O SOMA também reúne dados de outras pessoas que voaram em missões espaciais privadas. Por isso, com mais cidadãos comprando essas viagens, a esperança é que o arquivo se encha de informações sobre uma gama ampla de pessoas, mais diversas do que a prevalência de homens brancos e mais velhos que foram selecionados para serem astronautas nas primeiras décadas da era espacial.

Os dados, por sua vez, podem levar a tratamentos adaptados a cada astronauta com o objetivo de combater os efeitos dos voos. A riqueza dessas informações também permitiu que os cientistas comparassem os efeitos de curto prazo com os que acontecem durante missões mais longas.

Entre 2015 e 2016, por exemplo, um estudo comparou a saúde de Scott Kelly, um astronauta da Nasa que viveu na Estação Espacial Internacional por 340 dias e a de seu irmão gêmeo, Mark, um astronauta aposentado que virou senador do Arizona, nos Estados Unidos.

Durante o período de Kelly no espaço, marcadores de idade em seu DNA, conhecidos como telômeros, cresceram, sugerindo que ele havia se tornado biologicamente mais jovem. Mas os marcadores retornaram ao tamanho anterior após seu retorno à Terra, embora alguns ainda tenham acabado mais curtos do que o normal. Os cientistas, então, interpretaram isso como um sinal de envelhecimento acelerado.

Em 2021, os telômeros dos quatro tripulantes do Inspiration4 também se alongaram e depois encurtaram, indicando que as mudanças ocorrem rapidamente em todos os astronautas.

— Uma descoberta notável em vários aspectos — comemorou a líder da pesquisa sobre telômeros, Susan Bailey, professora de biologia do câncer de radiação e oncologia, na Colorado State University.

Há ainda outras alterações. Afshin Beheshti, do Blue Marble Space Institute of Science e do Centro de Pesquisa Ames da Nasa, apontou para mudanças moleculares nos rins dos astronautas, que poderiam indicar a formação de pedras no órgão. Isso, no entanto, não seria um problema durante uma viagem espacial de três dias, mas poderia se tornar uma crise médica durante uma missão mais longa.

— Como você vai tratar isso na metade do caminho para Marte? — refletiu Beheshti.

Os astronautas também realizaram vários testes em iPads para medir seu desempenho cognitivo no espaço. Um desses testes avaliou o que é conhecido como vigilância psicomotora, uma medida da capacidade de se concentrar em uma tarefa e manter a atenção: o astronauta olha para uma caixa na tela, um cronômetro aparece dentro da caixa e apenas é interrompido quando um botão seja pressionado.

Se a resposta fosse muito lenta (mais de 355 milissegundos), isso era considerado uma falha de atenção. Em média, o desempenho no espaço caiu em comparação com os testes dos astronautas do Inspiration4. Outros exames indicaram déficits na busca visual e na memória de trabalho.

— Nossa performance cognitiva não foi afetada no espaço, mas nossa velocidade de resposta foi mais lenta. Isso me surpreendeu — disse a assistente médica Arceneaux.

A professora Proctor afirmou que isso pode não ter sido uma diferença na capacidade de realizar tarefas no espaço, apenas que eles poderiam estar distraídos.

— Não é porque você não tem a capacidade de fazer o teste melhor. É só porque você olha para cima por um minuto, vê a Terra pela janela e fala: ‘Uau.’ — contou a tripulante do Inspiration4.

Uma das vantagens de reunir todos os dados é procurar conexões entre as mudanças, algo que era difícil para os cientistas fazerem com conjuntos de dados anteriores e mais limitados.

— Quando você olha para tudo, começa a ver as peças do quebra-cabeça se encaixando. Isso poderia apontar para uma causa comum e as medidas preventivas são mais facilmente direcionáveis — detalhou Beheshti.

Desde que voltaram à Terra, a vida de alguns dos astronautas do Inspiration4, em muitos aspectos, voltou ao que era antes de eles irem ao espaço. Arceneaux, por exemplo, voltou a trabalhar turnos de 12 horas como assistente médica no St. Jude Children’s Research Hospital. Proctor seguiu como professora em um colégio comunitário. Já Sembroski, agora, trabalha como engenheiro na Blue Origin, a empresa de foguetes de Jeff Bezos.

Proctor, além de professora, também é enviada científica para o Departamento de Estado dos Estados Unidos. Com isso, ela pôde visitar o Peru e o Chile, contando suas experiências em escolas e universidades.

— Agora, também tenho essa plataforma global, onde posso inspirar e ajudar a preparar a próxima geração — concluiu.

Arceneaux disse que se lembra de olhar para a Terra pela janela da cúpula da espaçonave SpaceX Crew Dragon no segundo dia de sua jornada.

— Sinto-me tão conectada com meus colegas terráqueos. Somos todos um neste belo planeta — pontuou.

Isaacman e outros três astronautas não profissionais embarcarão em uma missão chamada Polaris Dawn, que poderá ser lançada no próximo mês. Durante o voo, novamente em uma cápsula SpaceX Crew Dragon, o empresário e outro membro da tripulação vão planejar a primeira caminhada espacial privada.

Entenda o atraso da Starliner

A Starliner decolou da Flórida em um foguete Atlas V da United Launch Alliance em 5 de junho, após anos de atrasos e problemas de segurança, além de duas tentativas de lançamento abortadas com os astronautas já prontos.

Cinco dos 28 propulsores da cápsula falharam durante a acoplagem, à medida que a cápsula se aproximava da estação espacial. Todos, menos um propulsor, foram reiniciados e funcionaram durante um teste de disparo posterior, afirmou a Nasa. O único propulsor que ainda apresenta problemas foi desligado e não é vital para a viagem de volta, disse a Boeing.

A nave também apresentou pequenos vazamentos de hélio, gás inerte usado para pressurizar bombas dos propulsores. Segundo a Nasa e a Boeing, há um suprimento amplo de hélio, os vazamentos estão estáveis e não são uma preocupação. “Até agora, não vemos nenhum cenário em que o Starliner não vá conseguir levar Butch e Suni para casa”, disse Stich na semana passada.

A Boeing e a Nasa afirmaram que ainda estão analisando possíveis datas de pouso. A cápsula pode permanecer na estação espacial por 45 dias ou mais, se necessário, disse a Boeing.

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