Eu, Paulo Henrique e a peste

Por Basílio Machado

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06/06/2020

Basílio Machado

Jornalista, Professor e Membro da Academia Cachoeirense de Letras

Pensei muito antes de escrever este artigo, o mais certo era de que não o faria, mas a morte do jovem Paulo Henrique Feu de Azevedo, 30 anos, na madrugada de segunda-feira, 1º de junho, mudou muita coisa em mim. Paulo deixa duas filhas órfãs e uma grande interrogação na forma como estamos enfrentando esta peste que vem causando estragos em famílias, municípios, estados e nos governos mundo afora, a Covid 19.

 

A notícia da sua morte deu-me arrepios, enjoo, uma sensação mórbida. Fizemos o mesmo périplo pelas UPAs de Cachoeiro, e no mesmo período. É bem provável que tenhamos nos cruzado nas recepções ou nas enfermarias da Marbrasa ou do Paulo Pereira, procurando pela mesma coisa: alívio para nossas dores e respostas a nossas mazelas.

 

Ambos tivemos noites de insônia, de muita preocupação com os filhos, com a família, com o que vem depois. Ambos tivemos aquele pressentimento de que a morte estava nos espreitando, nos empurrando devagar ao precipício. Nessa hora, não se chora, não se sabe o que fazer, somos pó, só isso, um grãozinho de nada clamando a Deus pela vida. Nesse momento, a espiritualidade nos reprime e conforta, castiga e perdoa, por fim, responde-nos com perguntas sem respostas.

 

Tanto o resultado do Paulo Henrique quanto o meu deram negativo para o Covid19. Todavia, não nos disseram do que padecíamos. De fato, ele morreu, eu sobrevivi. Paulo foi enterrado em caixão lacrado, sem velório. Deixou a família em pedaços, querendo aquelas respostas que não existem. Ele partiu, eu não… Em algum momento, nossos destinos mudaram de rota.

 

Meu problema começou com uma dor na vesícula, velha conhecida. Dessa vez, veio mais forte, insuportável. Desesperado, como se agulhas perfurassem minhas entranhas, fui seis vezes à UPA da Marbrasa em busca de sedativos, num espaço de apenas quatro dias. Não tenho do que reclamar do atendimento, dos médicos, ou mesmo das enfermeiras. Todos fizeram a sua parte num sistema repleto de erros de origem.

 

Quando as pedras da vesícula deram sinal de que me poupariam, outros sintomas começaram. Febre, dor de cabeça, coriza, e a sensação de estar sendo atacado por dentro. Telefonei para o médico, que me receitou antibiótico contra pneumonia. Dois, três, quatro dias, e nada. Liguei novamente e expliquei o que se passava.

 

Ele me receitou hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e um composto à base de zinco para reforçar a imunidade. Obedeci, só não consegui a hidroxicloroquina, que estava em falta. Havia uma guerra política contra essa medicação. O médico a substituiu por um remédio de nome Annita, à base de nitazohanida. Dois dias de suador, daqueles de encharcar o lençol. Adeus febre, dores e sensações da peste.

 

Nesse meio tempo, fui à UPA do Baiminas fazer o exame que chamam de “Suave”, para detectar a Covid19. Enfiaram um canudinho no meu nariz e rasparam minha garganta, lá onde faz vômito. Prazo estimado para o resultado: 15 dias. Ciclo do vírus, 14 dias. Bom, pensei cá com os meus botões em procurar algum médium e já deixar negociado o repasse do resultado ao além, em caso de infortúnio.

 

Não precisou. Dois dias depois a Prefeitura mandou uma equipe a minha casa para fazer o tal teste rápido, o mesmo que fizeram no Paulo Henrique e que deu negativo. Em mim também, mas recomendaram manter o confinamento até sair o resultado do “Suave”. Três dias depois ligaram para me dar a boa notícia: eu não tinha a peste. Então, era o quê? E o Paulo Henrique?

As perguntas acima ficarão como aquelas que fizemos na hora do sufoco, de olhos fechados, buscando o infinito, e respondidas com outras perguntas sem respostas. No fundo, acho que te conhecia, Paulo. O sorriso que exibe na foto do site e a sua aparência me parecem bastante familiar. Tenho rogado todos os dias por sua alma, por suas filhas e sua família. Fica com Deus, amigo.

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