O mês dedicado às mulheres começou e com ele as estratégias das gestões, públicas e privadas, para destacar as mais variadas formas de contribuições femininas na sociedade. Homenagens justas, porém questionáveis. É fato que nossa liderança cresceu e mudou, substancialmente, a forma de nos relacionarmos com equipes, formar grupos e influenciar públicos. Estamos mais informadas e conscientes do nosso tamanho nas decisões que impactam o comportamento dos mercados, devido à autonomia e à liberdade financeira que boa parte de nós conquistou. Ocupamos espaços nas empresas, nos pódios, nas igrejas, nos palcos, nos tribunais e na política. Nosso lugar, dizem, é onde a gente quiser. Será?
Somos maioria em ambientes corporativos e não participamos, efetivamente, dos processos de decisão. Dados de 2022 mostram que apenas 29% de mulheres ocupam cargos de liderança na indústria no país; 17% são CEOs e 34% estão na alta liderança do setor público. Na política, aproveitando que estamos em ano eleitoral, atualmente, a bancada feminina na Câmara Federal tem 91 deputadas, o que corresponde a 17,7% do total das 513 cadeiras. Nas câmaras, as 9 mil vereadoras eleitas, em 2020, representam 16% do total, frente a 84% de homens eleitos, um total de 47,3 mil. Já no executivo municipal, apenas 12% dos municípios brasileiros são comandados por mulheres. Ou seja, das 5.570 cidades, só 673 tem a frente uma prefeita e 58% delas afirmam ter sofrido algum tipo de assédio ou violência política de gênero.
Dados preocupantes, que afastam muitas propensas candidatas a exercerem mandatos eletivos por receio de exposição e impunidade. Sem contar, na grande maioria das vezes, a falta de recursos para campanhas, falta de espaço na mídia, falta de apoio de partidos, a sobrecarga de trabalho em casa e o desmerecimento de suas falas e de suas lutas. Diante de tantos desafios, estamos mesmo no lugar que escolhemos ou ainda estão decidindo por nós?
A parte boa é que as lideranças femininas inspiradoras que surgem, de tempos em tempos, nas bases comunitárias, igrejas, sindicatos, coletivos e entidades representativas, têm mudado o cenário e as bandeiras que chegam, cada vez mais fortes, onde precisam chegar: no poder, onde tudo se decide. Apesar dos indicadores ainda mostrarem que somos minoria nesse espaço de poder, aprendemos, às custas de muitas perdas, a batermos na mesa e nos fazermos ser ouvidas, com menos barulho e mais estratégias. As mulheres não querem o poder pelo poder, nem ocupar espaços vazios deixados por homens que seguem para o próximo projeto de poder. A liderança feminina genuína sempre será transformadora, focada em políticas públicas que mudem realidades de verdade, com compromisso de futuro.
Março é mês de lembrarmos das conquistas daquelas que nos antecederam com coragem de quebrar regras e fazer diferente, que abriram portas que lhes custaram caro, muitas até suas próprias vidas. Nada, na jornada de uma mulher, é fácil. Temos muito ainda por que lutar, construir e mudar. Enquanto ainda morrerem mulheres, continuamos fracassando e sem motivos para comemoração, por isso, é tão importante saber quem estará no lugar de decisão, falando por nós, lutando por nós. Representar é se doar a uma causa que, na maioria das vezes, não é nossa, é a da mãe que luta por uma creche para o filho pequeno ou da que espera na fila por uma consulta com um pediatra; é a da adolescente que sonha com oportunidades na periferia onde mora; da dona de casa que chora justiça por um filho assassinado; da produtora rural que quer empreender no campo ou da idosa que não consegue sobreviver com a aposentadoria; da mulher com deficiência; da mulher preta; da mulher indígena; da mulher trans; enfim, de todos os femininos que foram invisibilizados que emergem, agora, com narrativas voltadas para o bem coletivo.