Incêndio que atingiu uma unidade da Vale Fertilizantes, em Cubatão (SP), em 2017 — Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros
Mortes por problemas respiratórios, nascimento de crianças sem cérebro, céu amarelado e cheiro de enxofre. Estes eram alguns dos problemas enfrentados por moradores de Cubatão (SP) no começo dos anos 80, quando a cidade ficou conhecida como “Vale da Morte” e foi considerada a mais poluída do mundo pela Organizações das Nações Unidas (ONU).
O município tem 142,879 km², cortados por rios e mangues, que sofreram o impacto da poluição. Com a Rodovia Anchieta, a cidade tornou-se um grande centro de tráfego de veículos de passeio e de carga entre São Paulo e a região da Baixada Santista. Mas, seu destaque é o grande parque industrial que abriga 24 empresas.
De acordo com a Organização Mundial em Saúde (OMS), as indústrias estão entre os maiores poluidores atmosféricos — o que foi e continua sendo o maior desafio da cidade, que trabalha para não voltar às condições da década de 80.
Mudança na água do rio mostra a recuperação ambiental de Cubatão (SP). À esquerda, 1984. À direita, 2023. — Foto 1: Globo Repórter — Foto 2: Globo Repórter
A situação, no entanto, mudou após 1984, depois de uma das maiores tragédias ambientais brasileiras, o incêndio da Vila Socó que matou 93 pessoas. Na ocasião, uma tubulação de combustível, que passava pela comunidade, rompeu e espalhou aproximadamente 700 mil litros do produto inflamável pelo mangue.
Isso fez com que as indústrias se unissem aos moradores e autoridades públicas para dar a volta por cima. O plano deu certo e Cubatão e conseguiu controlar 98% do nível de poluentes do ar, recebendo um novo título da ONU, desta vez, Cidade Símbolo da Recuperação Ambiental, em 1992.
Confira abaixo a história da cidade que transformou o ‘Vale da Morte’ em ‘Vale da Vida’:
‘Vale da Morte’?
Vila Parisi, em Cubatão (SP), no dia 3 de maio de 1985 — Foto: João Vieira/Arquivo A Tribuna
O historiador Welington Ribeiro Borges, de 59, saiu de Minas Gerais (MG) e foi para Cubatão aos seis anos de idade. De acordo com ele, na década de 80 as indústrias lançavam aproximadamente mil toneladas de poluentes na atmosfera por dia.
A poluição da água, do solo e do ar, junto à falta de legislação ambiental da época, causou inúmeros casos de mortes por doenças respiratórias e anencefalia — condição em que o cérebro e o crânio não se desenvolvem. Estes motivos fizeram a cidade ficar conhecida como ‘Vale da Morte’ e ser considerada a mais poluída do planeta pela ONU.
Vila Parisi
Problemas respiratórios eram comuns em Cubatão (SP), na década de 80 — Foto: Reprodução/Globo Repórter
A maioria destes casos, de acordo com Welington, foram registrados na Vila Parisi, um bairro situado no coração das indústrias, ou seja, a maior parte da carga de poluição ficava naquela região. A área deixou de ser habitada após o então prefeito José Oswaldo Passarelli decretar a extinção do bairro.
“Quando trabalhei no arquivo municipal tive contato com uma parte dos formulários de atendimento ambulatorial do antigo pronto-socorro da Vila Parisi. Eram milhares de fichas e, em uma rápida observação, a gente via que a maioria das pessoas era atendida por problemas do aparelho respiratório”, lembrou.
Atualmente, boa parte dos moradores da Vila Parisi se concentra no bairro Jardim Nova República. A região que foi extinta, por sua vez, foi transformada em um centro logístico para caminhões.
Como os moradores se sentiam?
Sete toneladas de peixes mortos no Rio Casqueiro, em Cubatão (SP) — Foto: Robynson Señoraes/g1
Welington explicou que a poluição prejudicava ainda mais as pessoas que já tinham problemas de saúde, principalmente, respiratórios. Elas eram obrigadas a se mudar para cidades vizinhas para conseguir sobreviver.
Segundo o historiador, alguns moradores usavam máscaras de proteção para conseguir circular pelo município sem sentir o cheiro de “óleo diesel e enxofre”. Além disso, o especialista lembrou que o céu tinha uma camada escura e amarelada.
Dezenas de pessoas morreram durante incêndio na Vila Socó, em Cubatão — Foto: Arquivo/A Tribuna Jornal
“As pessoas conviviam da maneira como podiam […]. O sentimento que todos tinham era de não dizer que era daqui [de Cubatão]. Geralmente, dizíamos que morávamos em Santos ou outra cidade da região”, disse.
Tragédia e recomeço
Uma das maiores tragédias ambientais brasileiras, de acordo com Welington, aconteceu em Cubatão e fez com que as autoridades iniciassem o projeto de recuperação ambiental da cidade. Em 24 de fevereiro de 1984, foram registradas 93 mortes no incêndio da Vila Socó.
O incêndio aconteceu após o vazamento de combustível de um duto que ligava a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa. A tubulação, que passava pela comunidade, rompeu e espalhou algo em torno de 700 mil litros do produto inflamável pelo mangue.
“Encerra nesse episódio a história triste da poluição”, lamentou o historiador.
O título de cidade mais poluída do mundo, além de impactar a saúde das pessoas e devastar o meio ambiente, deixou Cubatão com uma imagem negativa mundialmente. Isso só começou a mudar em 1985, um ano depois do incêndio da Vila Socó, quando o Programa de Controle de Poluição Ambiental foi implantado.
Em nota, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) explicou que o plano de ação foi iniciado por decisão do então governador André Franco Montoro. O principal objetivo do projeto foi controlar as fontes de poluição do ar, água e solo.
Na época, segundo a Prefeitura de Cubatão, foram instalados nas indústrias filtros que conseguiram controlar a emissão de poluentes no ar, além de terem sido estabelecidas normas mais rígidas quanto à utilização de recursos hídricos e despejo de material na natureza.
Ainda de acordo com a administração municipal, foram investidos aproximadamente US$ 3 bilhões, o equivalente a R$ 163 bilhões, na cotação atual. Veja alguma das ações do plano:
➡️Filtros em chaminés
➡️Despoluição dos rios e córregos
➡️Gerenciamento de todos os resíduos produzidos
➡️Medições das emissões de gases no ar
➡️Recuperação da Mata Atlântica e replantio de árvores
Resultado
Imagem aérea do polo industrial de Cubatão, SP — Foto: Arquivo A Tribuna
O programa deu certo. A cidade conseguiu controlar 98% dos poluentes lançados no ambiente e foi reconhecida na Conferência sobre o Meio Ambiente da ONU, em 1992, como Exemplo Mundial de Recuperação Ambiental. Em 2012, na Rio+20, o resultado do plano foi apresentado aos representantes de outros países.
A Cetesb enviou à equipe de reportagem o controle, levantado à época, das fontes de poluição da cidade. Veja abaixo:
Controle de Poluição Ambiental, em Cubatão, entre a década de 80 e 90
Poluição Fontes autuadas Fontes controladas
Ar 230 207
Águas 44 44
Solo 46 46
Total 320 297
Fonte: Cetesb
Além dessas, 23 fontes foram desativadas. Atualmente, de acordo com a Cetesb, as fontes autuadas à época possuem controle. Algumas ações continuam sendo realizadas para manter o resultado do programa. Sendo elas:
- Fiscalizar as fontes já controladas
- Acompanhar obras de implantação de novos sistemas de controle
- Realização e acompanhamento de amostragens de sistemas de controle já implantados
- Avaliação de cargas poluidoras em fase de autuação
- Operação para evitar episódios críticos de poluição do ar
- Controle de fontes não prioritárias que passaram a ser significativas após o controle das fontes de maior impacto
- Monitoramento da qualidade dos rios da região
- Renovação das Licenças Ambientais das empresas prioritárias
- Remediação ambiental do complexo industrial
- Adequação dos sistemas de captação e tratamento de águas pluviais contaminadas