Rua em Detroit consegue carregar carros elétricos por indução — Foto: Divulgação/Electreon
Ao passar pela rua 14, em Detroit, nos Estados Unidos, é difícil notar o que a via tem de especial. No entanto, para motoristas de carros elétricos, a estrada, que parece comum, mostra sua verdadeira funcionalidade. O asfalto é capaz de carregar a bateria dos veículos, enquanto eles se movimentam sobre a pista.
Este é o primeiro lugar público dos Estados Unidos onde é possível dirigir um veículo elétrico e carregar a bateria ao mesmo tempo. O projeto piloto da tecnologia sem fio foi instalado em novembro, em um trecho de 400 metros que atravessa a área de Corktown, no estado de Michigan. O objetivo é estender o comprimento da “rua inteligente” para 1,6 km nos próximos anos.
A tecnologia que possibilita o carregamento são bobinas eletromagnéticas, instaladas sob a superfície do asfalto e conectadas à rede de energia da cidade. Elas criam um campo eletromagnético um pouco acima da estrada, que transfere energia para um receptor conectado à bateria do veículo. O processo é conhecido como “carregamento indutivo”, similar à tecnologia usada no carregamento sem fio de telefones celulares.
O objetivo por trás da invenção é combater uma das principais barreiras que impedem a adesão em larga escala aos modelos elétricos: a chamada “ansiedade de autonomia”. A infraestrutura de carregamento desses veículos ainda não está disponível em larga escala, com capacidade para atender grandes demandas. Além disso, o carregamento do veículo em viagens é demorado, por isso, a maioria dos motoristas ainda hesita em substituir seus carros movidos a combustível pelos elétricos. Diante dessas limitações, dirigir em uma rua onde os carros recebem uma carga adicional enquanto trafegam pode ajudar a aumentar a autonomia dos veículos elétricos ou até eliminar a necessidade de carregamento em casa ou nos postos.
Para que a bateria carregue, é necessário ter os receptores corretos fixados à base do carro.
— A evolução do carregamento irá eliminar os cabos e passar a ser sem fio — declarou Stefan Tongur, vice-presidente de desenvolvimento comercial da fabricante de carros elétricos Electreon, à BBC durante a Feira de Eletrônicos de Consumo em Las Vegas, nos Estados Unidos. — E teremos ruas que podem carregar os veículos enquanto eles passam e estacionam.
Alto custo
O modelo utilizado em Detroit é um dos pilotos desenvolvidos pela Electreon, que está testando a tecnologia de carregamento sem fio em locais selecionados na Europa, Ásia e Estados Unidos. O projeto na cidade foi parcialmente financiado pelo Departamento de Trânsito de Michigan, que investiu US$ 1,9 milhão (cerca de R$ 9,3 milhões). O projeto de ruas elétricas custa cerca de US$ 1,25 milhões (R$ 6,1 milhões) por quilômetro.
O alto valor faz os especialistas questionarem se a tecnologia pode ser reproduzida em larga escala, a ponto de tornar-se funcional.
— O carregamento sem fio parece bom no papel. Mas a logística e o custo envolvido fazem com que ele seja impraticável — afirma a pesquisadora de Economia Comportamental Ashley Nunes, da Faculdade de Direito de Harvard, nos Estados Unidos.
Tongur, da Electreon, acredita que o custo de instalação do equipamento começará a cair com o amadurecimento da tecnologia. Ele prevê que, em breve, irá custar cerca de US$ 750 mil (R$ 3,7 milhões) por quilômetro e US$ 1 mil (cerca de R$ 4,9 mil) por receptor e defende que a tecnologia não precisa ser instalada em todas as ruas. — Ela não foi projetada para ser instalada em todas as ruas — explica ele. — É preciso ser muito estratégico sobre onde faz mais sentido, onde estão os bons modelos comerciais.
Transporte público
A empresa se concentrou inicialmente em corredores de trânsito frequentados por veículos com trajetos programados, como ônibus e caminhões, que têm seus custos operacionais reduzidos quando permanecem em movimento, sem precisar parar para recarregar.
A pesquisadora Ashley Nunes concorda que as ruas de carregamento sem fio podem ser uma solução plausível para o setor de transporte de cargas médias e pesadas. Este setor, segundo ela, contribui desproporcionalmente com as emissões de carbono por quilômetro rodado.
— Se os veículos estiverem trafegando por um caminho fixo sem grandes desvios, equipar esses trechos de rodovia com carregamento sem fio pode fazer sentido — explica ela.
‘Cidade do Motor’
Este projeto piloto faz parte do programa da governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, que pretende transformar a infraestrutura de transporte do Estado, passando a ser neutra em carbono até 2050. O plano inclui o desenvolvimento dos veículos elétricos, fornecendo uma rede confiável de carregamento até 2030. Segundo a chefe do departamento de mobilidade de Michigan, Justine Johnson, essa rede deve incluir ruas de carregamento sem fio e 100 mil carregadores para atender 2 milhões de automóveis.
A cidade de Detroit, conhecida como “Motor City” (Cidade do Motor), tem um forte legado automotivo. por isso, o governo local acredita que ela deve liderar as inovações para o futuro dos veículos e da mobilidade no país.