Eleitores de Orsi comemoram vitória do esquerdista apontada pelo boca de urna no Uruguai — Foto: Dante FERNANDEZ / AFP
O esquerdista Yamandú Orsi, da opositora Frente Ampla (do ex-presidente José Mujica), foi eleito presidente do Uruguai nas eleições deste domingo, marcando a volta do poder da esquerda no país após cinco anos, apontaram as três mais importantes bocas de urna do país após o encerramento da votação. Segundo as projeções, as distâncias entre Orsi e o candidato da coalizão de centro-direita, Álvaro Delgado, foram mínimas, de 3% a menos de 1%, conforme indicavam as pesquisas eleitorais nas últimas semanas. O resultado oficial ainda não foi divulgado pelo órgão eleitoral, mas espera-se que seja conhecido após as 22h.
Segundo as projeções, Orsi teve 49% dos votos e Delgado 46,6%, segundo o Canal 10, com base em dados da Equipos Consultores. Para o Canal 12, que citou a pesquisa Cifra, Orsi obteve 49,5% dos votos, contra 45,9% de Delgado. A votação começou às 8h (mesmo horário em Brasília) e encerrou às 19h30. Cerca de 89% dos aptos a votar compareceram às urnas neste domingo, segundo dados do órgão eleitoral do país.
Orsi, um professor de história de 57 anos, enfrentou Delgado, um veterinário de 55 anos, do Partido Nacional, que lidera a aliança governista. Ele sucederá, em 1º de março, o presidente Luis Lacalle Pou, impedido constitucionalmente de disputar a reeleição.
Ele governará o país pelos próximos cinco anos, até 2030, quando será comemorado o bicentenário da República do Uruguai. O país é reconhecido como uma das democracias mais sólidas da região, com um ambiente econômico estável, que ajudou a superar desafios como a pandemia e a seca, permitindo a recuperação do crescimento do PIB, estimado em 3%. Porém, entre os desafios do novo presidente, estão o aumento do custo de vida e a segurança pública, que preocupam a população, além da situação econômica deste país agropecuário, com 3,4 milhões de habitantes e 12 milhões de cabeças de gado.
Segundo turno apertado
Em 27 de outubro, Orsi obteve 43,9% dos votos, muito à frente de Delgado (26,7%), embora este agora conte com o apoio de todos os partidos da coalizão governista, que juntos obtiveram 47,7% dos votos. Orsi liderou todas as pesquisas, mas foi seguido de perto por Delgado, por uma diferença que diminuiu nos últimos dias e se situou dentro das margens de erro até o último momento.
Mais cedo, os dois candidatos afirmaram que estavam abertos a negociar com o outro bloco, algo que parece inevitável já que nenhum deles terá maioria parlamentar. Após as eleições de outubro, a Frente Ampla ficou com 16 das 30 cadeiras no Senado, e a coalizão governante, com 49 das 99 cadeiras na Câmara dos Deputados.
Orsi disse à imprensa após votar no departamento de Canelones — onde foi intendente durante uma década — que, tendo em conta o que mostraram as últimas sondagens, já esperava que o resultado fosse equilibrado. Também assegurou ter a “governabilidade” para impulsionar “as transformações de que o país precisa”.
Delgado, por sua vez, declarou que queria ser “o presidente de todos os uruguaios” e adicionou que chamaria seu adversário para ingressar em seu governo caso seja eleito.
— Queremos ir ao encontro e buscar linhas de acordo — disse Delgado, ex-secretário da Presidência de Lacalle Pou, confiando em que “uma maioria silenciosa” lhe daria a vitória porque o Uruguai está “melhor” do que em 2019.
O presidente, que também votou em Canelones, celebrou as eleições e disse estar disposto a começar a transição para o novo governo já no dia seguinte ao pleito.
— Na segunda-feira começa a haver uma transição, com a qual naturalmente começa a haver uma espécie de partilha de decisões, não as cotidianas, não as cíclicas, mas o que vem para a frente — disse o presidente.
Em 2019, a vitória de Lacalle Pou foi por 37.042 votos e o candidato da Frente Ampla não quis reconhecer a derrota até a apuração final.
‘Me interessa o destino dos jovens’
A Frente Ampla espera voltar ao governo, perdido em 2020 após três mandatos consecutivos, um deles com Mujica (2010-2015). O ex-guerrilheiro de 89 anos, que se recupera de um câncer no esôfago, votou cedo em Montevidéu.
— Meu futuro mais próximo é o cemitério, mas me interessa o destino dos jovens, que quando tiverem a minha idade vão viver em um mundo muito diferente — disse Mujica, cercado por jornalistas, pedindo às pessoas que se preparem para “o advento da sociedade da inteligência”.
Apesar da saúde frágil, Mujica teve uma participação ativa no final da campanha. Em reuniões com moradores e várias entrevistas, ele criticou a avareza de alguns políticos, as corporações e o presidente em fim de mandato Lacalle Pou. Também questionou o “consumismo abominável”, e falou sobre seu legado em uma espécie de despedida que emocionou muitas pessoas.
Pepe Mujica vota em eleição presidencial no Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP
‘Governabilidade’ e ‘maioria silenciosa’
O Uruguai vai às urnas como a democracia mais sólida da América Latina, com alta renda per capita e menores níveis de pobreza e desigualdade frente ao resto da região. A situação econômica e a criminalidade dominam as preocupações dos eleitores deste país agropecuário, com 3,4 milhões de habitantes e 12 milhões de cabeças de gado.
— Para os trabalhadores, estes cinco anos não foram nada bons — disse à AFP Gustavo Maya, um distribuidor de botijões de gás de 34 anos, eleitor de Orsi. — Ando todo dia na rua e o que me preocupa é a insegurança. Vejo muitos assaltos, cada vez mais homicídios, pouca polícia.
William Leal, um pedreiro de 38 anos, disse que votará em Delgado.
— Quero que este governo continue porque no setor da construção houve muito mais trabalho — disse. — O dinheiro rende mais. Embora continue caro, melhorou.
Vença quem vencer, não se antecipa uma reviravolta. Orsi prometeu “uma mudança segura, que não será radical” e Delgado, avançar na via atual.
No entanto, o tema dos impostos gerou atritos no único debate da campanha. Ambos se comprometeram a não aumentar a carga tributária, mas Delgado questionou a promessa do adversário, afirmando que o programa da Frente Ampla o prevê.
Os dois têm dito que vão impulsionar o crescimento, em recuperação após a desaceleração provocada pela pandemia e por uma seca histórica. Também apostam em reduzir o déficit fiscal e combater o aumento da criminalidade vinculada ao narcotráfico.
Mais de 2,7 milhões de uruguaios estão habilitados a votar no segundo turno, no qual o vencedor será definido por uma maioria simples. No Uruguai, o voto é obrigatório e não existe o voto consular, razão pela qual é aguardada a vinda de milhares de uruguaios residentes na vizinha Argentina.