Planeta Marte – Foto Kevin Gill/Wikimedia Commons
Era mais um dia de trabalho. O Sol havia acabado de se levantar. Os motores e circuitos seriam carregados e o jipinho iniciaria mais um dia de pesquisa de campo. Para acordar, ouvia-se o samba: “o coisinha tão bonitinha do pai! o coisinha tão bonitinha do pai!”. Só que o trabalhador que estava se preparando para sua jornada não era humano — tampouco estava a menos de 50 milhões de quilômetros de nós.
Foi assim que, em 1997, o robô-móvel Sojourner foi despertado para explorar a superfície de Marte. Todas as manhãs uma música era escolhida para tocar no Planeta Vermelho. Quando teve a oportunidade, a engenheira carioca Jacqueline Lyra, integrante da equipe responsável pela missão espacial, indicou o pagode de Beth Carvalho.
O veículo Sojourner foi lançado pela Nasa em 1996 para explorar a superfície de Marte. — Foto: NASA/JPL 9
A música deu uma animada no desértico planeta vizinho, cuja cor vermelha era, na Antiguidade, comparada ao sangue derramado em batalhas. Foi por isso que o astro foi batizado de Marte pelos romanos, como uma homenagem ao deus da guerra. O aspecto vermelho é resultado da grande quantidade de ferro oxidado que compõe as rochas e os regolitos da superfície marciana.
O planeta é pequeno: tem aproximadamente a metade do diâmetro da Terra e é apenas duas vezes maior que a Lua. Mas isso não diminui sua imponência, já que hoje apostamos quase todas as nossas fichas de que o futuro interplanetário pode começar por lá.
Há tempos Marte está no nosso imaginário de planeta perfeito para conter vida. Ele já foi muito explorado pela literatura e pela indústria cinematográfica, que alimentam nossa esperança de haver algum marciano por lá. Isso porque Marte é o quarto planeta mais distante ao Sol e o último rochoso, compondo o chamado Sistema Solar interno. Ele está em uma zona biologicamente interessante. Como vimos nas últimas colunas, Mercúrio e Vênus estão demasiadamente perto do Sol — e Vênus particularmente tem uma pressão e atmosfera esterilizantes. Já Marte pode ter tido condições para vida no passado e é o planeta com ambientes menos adversos para ser explorado e colonizado nas próximas décadas.
Nós acreditamos que a vida na Terra surgiu cerca de um bilhão de anos após a sua formação, em oceanos chamados de sopas primordiais. Além disso, água é fator crucial para o desenvolvimento de vida como conhecemos. Nas décadas de 1960 e 1970, as sondas espaciais do programa Mariner identificaram em Marte regiões similares a passagem de fluxos de rios, como vales, deltas e leitos de lagos, datando 3,5 bilhões de anos.
Esta imagem mostra um leito rochoso estratificado composto por materiais de tons claros e intermediários. Existem também estratos mais escuros que preenchem a topografia baixa, como crateras de impacto. No centro da imagem há um vale com um preenchimento escuro que vai da esquerda para a direita. Os materiais mais escuros dentro do vale devem ser sedimentos fluviais. — Foto: HiRISE/Nasa
O passado de Marte parece ter sido de oceanos e rios, porém, hoje não detectamos a presença de água líquida, apenas em estado sólido misturada com dióxido de carbono nos polos do planeta. Por ter uma atmosfera tão fina, a água possui uma grande dificuldade de se manter liquida por muito tempo. Em geral, Marte aparenta ser um planeta onde a vida como conhecemos possui poucas chances de sobreviver.
O planeta tem uma atmosfera composta majoritariamente de dióxido de carbono. Por ser pequeno, ele tem bastante dificuldade de manter as moléculas da atmosfera presas gravitacionalmente a ele, e por isso ela é mais rarefeita do que na Terra. Esse é um dos motivos também de porque o planeta possui tempestades de areia chegando a escalas globais. Os grãos de poeira podem se elevar a altitudes de 60 quilômetros e demorar meses para precipitar na superfície. Isso é um dos problemas tanto para explorações humanas futuras quanto para os jipes que estão por lá, que utilizam majoritariamente a luz solar como fonte de energia.
Duas faces dramaticamente diferentes de Marte aparecem nestas imagens de comparação mostrando como uma tempestade de poeira global engoliu Marte no início da primavera de 2001. — Foto: Nasa
Falando destes robôs, o planeta é explorado por eles desde os anos 1960! Inicialmente, a missão Mariner levou sondas que tiraram diversas fotos da superfície do planeta, das luas Fobos e Deimos, e estudaram também a atmosfera. O primeiro contato em solo aconteceu em 1975, com as Vikins 1 & 2. Entre seus objetivos, os instrumentos transmitiram imagens da superfície e analisaram o solo em busca de sinais químicos de vida.
Desde a década de 1990, a Nasa tem lançado jipes cada vez mais complexos para o planeta, como Sojourner, Opportunity, Curiosity e o atual Perseverance que chegou lá em 2020. Os robozinhos são preparados para caminhar pelo solo marciano e conduzir experimentos sobre a atmosfera, a composição das rochas e, como as missões Vikings, a composição química para achar indícios de vida.
Missões espaciais são enviadas a Marte desde a década de 1960 — Foto: Louisiana State University
Os jipes são desenhados para não se meterem em enrascadas, mas Marte tem terrenos bem peculiares. Por exemplo, no passado, a atividade vulcânica lá era intensa, o que gerou os maiores vulcões do Sistema Solar. O Monte Olimpo possui uma elevação de 22,5 quilômetros, três vezes maior do que o Everest. Além disso, possui uma base com 600 quilômetros de diâmetro, o que é similar a área do estado do Rio Grande do Sul.
Monte Olimpo, em Marte, é o maior vulcão do Sistema Solar, ocupando uma área equivalente a do estado do Rio Grande do Sul. — Foto: Nasa
Outra aberração na superfície marciana é o Valles Marianes, um grande cânion que percorre aproximadamente 4 mil quilômetros da superfície do planeta. Essa distância é similar à distância do Oiapoque ao Chuí. A possível origem dessa formação seria o rompimento de duas placas tectônicas no passado remoto do planeta.
Valles Marianes é um gigantesco sistema de cânions em Marte — Foto: Wikimedia Commons
Marte, planeta de tom enferrujado, é encantador e desperta nossa curiosidade. Quem sabe um dia nós mesmos conseguiremos tocar o sucesso de Beth Carvalho lá? Porém, como vimos, as condições de habitabilidade não são favoráveis. No fim, não podemos esquecer que precisamos olhar e consertar o nosso planeta quando falamos de um futuro para a humanidade. Não existe planeta B.