Entre as estratégias dos criminosos, estão atrair as vítimas para bairros isolados logo após os contatos no aplicativo de paquera — Foto: Sofia Mayer
Cinquenta e duas mulheres foram presas nos últimos três anos, acusadas de integrarem uma quadrilha que usava aplicativos de relacionamento como Tinder, Bumble e Happn para atrair e dar golpes em homens que buscam parceiras. Elas, após seduzirem as vítimas nas conversas, as enganavam marcando falsos encontros e, quando chegavam ao local combinado eram sequestrados e extorquidos por criminosos da quadrilha.
O crime, conhecido como o “golpe do amor”, chegou a corresponder nove em cada dez casos de sequestros relâmpagos em São Paulo, em 2023, conforme dados da Polícia Civil. Eles ainda apontam que a cada três dias uma pessoa é vítima desse tipo de crime no estado.
Do ‘crush’ ao crime
Nesse tipo de golpe, os bandidos usam sites e aplicativos de relacionamento se passando por outra pessoa para marcar encontros falsos com as vítimas.
Quando a pessoa chega ao local combinado, ela é rendida por bandidos e feita refém. Os criminosos chegam a fazer transferências bancárias via PIX e a roubar objetos e veículos.
No dia 21 de dezembro de 2023, a Polícia Civil resgatou um homem que foi vítima do golpe. Segundo a polícia, ele foi encontrado em um cativeiro no Parque Taipas, Zona Norte da capital. Dois homens foram presos em flagrante. Toda a ação dos criminosos foi filmada por câmeras de segurança do local.
Homem vítima do ‘golpe do Tinder’ é rendido por criminosos na Zona Norte de SP — Foto: Divulgação/Polícia Civil
Pelas imagens, é possível ver que a vítima, que havia marcado um encontro pelo Tinder, desce do veículo e fica na calçada à espera da suposta acompanhante, quando um homem chega por trás, o rende e aponta uma arma na sua cabeça. Em seguida, outros quatro homens se aproximam e todos entram no veículo.
Conforme o boletim de ocorrência, investigadores do 72º Distrito Policial foram informados de que havia um possível sequestro em andamento e que o GPS do celular do homem rendido registrou o último sinal na rua Alto da Prata.
Os policiais foram até o local indicado e constataram que era o endereço de uma lanchonete, mas que estava fechada.
Em seguida, os investigadores conseguiram ter acesso a uma câmera de monitoramento de uma das casas vizinhas, a qual registrou o momento em que um grupo chegou com o carro da vítima, desceu e foi até um bar.
Ainda de acordo com o boletim, a equipe, então, foi até o bar e notou que havia um portão que dava acesso a um terreno com várias casas. Os policiais fizeram buscas nos imóveis e em um deles encontraram a vítima rendida com dois homens.
Na delegacia, a vítima informou que enquanto estava rendida teve o celular roubado e foi obrigada a fornecer senhas dos aplicativos e cartões para que os criminosos pudessem fazer transações bancárias.
Em 9 de novembro de 2023, um homem de 52 anos foi vítima de sequestro no terceiro encontro com uma mulher que ele conheceu havia três semanas no Tinder – aplicativo de relacionamento, na Zona Leste de São Paulo.
Ele e um motorista de aplicativo de carro, solicitado para ir ao encontro, foram cercados por dois veículos enquanto estavam esperando a mulher em Cidade Tiradentes.
Mulheres usadas como isca
Mulheres falam com uma das vítimas do “Golpe do Amor”
Quando os primeiros casos do “golpe do amor” começaram no estado de São Paulo, os homens se passavam por mulheres. Os bandidos entravam em aplicativos de relacionamentos, pegavam fotos de garotas aleatórias e desconhecidas.
Depois, abriam um perfil falso e faziam contatos com jovens e senhores, com idades entre 25 a 65 anos, para enganá-los. Na sequência, chamavam-nos para encontros com mulheres que nunca existiram.
Com o passar do tempo, homens que acessam sites de relacionamento perceberam o golpe e passaram a tomar medidas de segurança que dificultaram as ações dos criminosos. Mas as quadrilhas também se aperfeiçoaram e buscaram alternativas para convencer as vítimas a deixar suas casas e ir para falsos “dates”.
Para isso, segundo a Divisão Antissequestro, os bandidos passaram a convocar esposas, namoradas e amigas para os golpes. Elas têm entre 20 a 30 anos de idade. Em troca de parte do dinheiro roubado dos homens que ajudaram a enganar, algumas mulheres aceitam participar do esquema.
Celular apreendido pela polícia de São Paulo com uma mulher presa pelo ‘golpe do amor’. À esquerda está a conversa dela com um empresário que foi vítima da quadrilha. À direita a lista de outros homens, potenciais alvos do grupo — Foto: Reprodução
Para ganhar a confiança dos homens com quem deram “match” nas plataformas digitais, elas são orientadas pelas quadrilhas a criar perfis com suas fotos, mas usando nomes falsos nas redes sociais.
Depois enviam áudios, atendem videochamadas e até vão a encontros em locais públicos com as potenciais vítimas. Tudo para convencer esses homens de que as mulheres das fotos que os atraíram nos aplicativos são “reais”.
Foto acima é do perfil falso de uma mulher presa por aplicar o ‘golpe do amor’. Ela usou a foto de outra pessoa para enganar um homem — Foto: Reprodução
Após conquistarem a confiança dos homens, essas mulheres podem entrar em seus carros e ir com eles para outros locais. Algumas sugerem supostos motéis, ou pedem que eles as deixem em suas supostas casas.
Mas, em vez disso, os pretendentes encontravam criminosos armados bloqueando os trajetos dos veículos e os abordando com violência. Em seguida, são sequestrados e ameaçados até transferirem dinheiro para a quadrilha.
Em um dos casos, um empresário do interior paulista, de 50 anos, conheceu, em setembro do ano passado, uma mulher de 22 anos pelo Tinder. Mesmo se certificando de que a jovem morena da foto do aplicativo era a mesma que encontrou dias depois num local público e seguro, ele caiu no “golpe do amor”.
Ele foi ao encontro em um shopping em Itaquaquecetuba, Grande São Paulo. O homem contou que a garota que estava interessado lhe sugeriu um encontro mais íntimo entre eles e uma amiga dela, uma mulher de 20 anos que também usava um nome falso. Ele viu a foto e se mostrou interessado em um suposto ménage.
Com isso, o empresário e a jovem de 22 anos foram no carro dele pegar a garota, em sua suposta casa no Itaim Paulista, Zona Leste de São Paulo. A garota de 20 anos, que aguardava a chegada da amiga com a vítima, estava com mais três criminosos armados.
Prisões
Nos últimos três anos, a Polícia Civil de São Paulo prendeu 52 mulheres usadas por quadrilhas como iscas para atrair, sequestrar e extorquir homens que caíram no “golpe do amor” na capital e Grande São Paulo.
Em 2021, seis mulheres foram presas. Em 2022, 19 acabaram detidas. E no ano passado, ocorreram 25 prisões do tipo. O levantamento foi feito pela Divisão Antissequestro (DAS) a pedido do g1 e do Jornal Hoje. A DAS se especializou em investigar esse tipo de crime.
Na manhã desta quinta-feira (15), mais duas mulheres acusadas de dar o golpe foram presas pela DAS. Uma delas é Leticia Nicolau Gomes, que já havia sido detida em março de 2023 pelo mesmo crime. A TV Globo chegou a mostrar esse caso também no ano passado. A Justiça concedeu prisão domiciliar a ela.
Mas, segundo a investigação, ela continuava enganando homens para levá-los a emboscadas, onde seriam feitos reféns até que transferissem dinheiro para contas de “laranjas” ou dos sequestradores. Ao todo, ela já teria feito seis vítimas.
A defesa de Letícia não foi encontrada para comentar o assunto até a última atualização desta reportagem.
Além disso, a Divisão Antissequestro procura mais uma mulher envolvida no “golpe do amor”, como o crime do aplicativo de relacionamento ficou conhecido no jargão policial.
Os policiais da DAS ainda monitoram as ações desses grupos criminosos com as demais delegacias distritais de São Paulo e de outras cidades da região metropolitana.
Entre 2021 e janeiro deste ano, 168 homens foram vítimas dessas quadrilhas na Grande São Paulo. Cinco deles acabaram mortos pelos sequestradores
Casos de ‘golpe do amor’ na capital e Grande São Paulo
Ano | Homens vítimas | Vítimas mortas | Homens presos | Mulheres presas | Total de presos* |
2021 | 3 | – | – | 6 | 6 |
2022 | 115 | 3 | 298 | 19 | 317 |
2023 | 49 | 2 | 162 | 25 | 187 |
2024 | 1 | – | – | 2 | 2 |
Total | 168 | 5 | 460 | 52 | 512 |
Fonte: (- ) DAS não informou a quantidade de homens presos em 2021. (*) Alguns dos homens e mulheres podem ter sido presos mais de uma vez
Como se proteger?
Diante desta onda de crimes de estelionatos, o g1 reuniu dicas sobre o que fazer durante o uso dos apps para evitar cair em armadilhas dos “golpistas do amor”.
As informações foram obtidas com o delegado da Divisão Antissequestro do Departamento de Operações Policiais Estratégicas e especialistas em segurança digital.
Essas “dicas de ouro” não garantem 100% a proteção, mas são os filtros básicos que podem evitar coisas ruins, segundo presidente da Associação Brasileira de Segurança Cibernética, Hiago Kin.
❌ Não compartilhe informações pessoais com a outra pessoa: evite falar se mora sozinho, se tem carro, se a família é de outro estado, o endereço de trabalho ou em que dias você vai à academia.
🤥 Verifique se o perfil do crush é fake: criminosos muitas vezes acabam utilizando fotos que geralmente pertencem a outra pessoa; veja abaixo como fazer uma análise após o match:
🎭 Observe se há sinais que podem indicar manipulação da imagem: bordas ou sombras irregulares e resolução baixa são indícios de montagem ou retirada de fotos de outros perfis.
🔎 Pesquise pelo nome que aparece no perfil: utilize buscadores e outras redes sociais para ver quais informações aparecem sobre o crush e se a foto corresponde com as imagens que foram apresentadas pela pessoa.
🖼️ Cadastro sem foto ou com imagens disponíveis em bancos: isso aumenta a chance de ser um perfil enganoso.
🧐 Faça uma pesquisa reversa: é possível utilizar a busca de imagens do Google. Para isso, clique no botão de câmera. Arraste ou envie o arquivo de uma imagem que desejar pesquisar, por upload ou link, e o buscador exibirá resultados iguais ou semelhantes. Desse modo, será possível verificar se a foto é original ou tem outras versões distintas, além de saber quem mais já divulgou o conteúdo.
📱 Cuidado na elaboração do seu perfil: levando em consideração que os golpistas acabam explorando detalhes como sobrenome ou local de trabalho para manipular as vítimas ou cometer crimes, seguem algumas orientações:
- Utilize o nome abreviado ou apelido;
- Reduza as informações pessoais como “gosto de cachorros” ou “do RJ para o mundo”, pois são características particulares que podem atrair o golpista para o lado sentimental da vítima;
- Evite colocar informações sobre profissão;
- Não use fotos que mostram viagens internacionais e ao lado de carros de luxo.
💵 Nunca envie dinheiro ou compartilhe dados bancários: se alguém fizer algum pedido de dinheiro ou números de documentos pelo aplicativo de relacionamento, informe a plataforma de paquera.
📵 Evite convites para conversar em outros apps: prefira manter a conversa pelo aplicativo que iniciou a interação. Então, nada de cair no papo de que “não consigo entrar aqui toda hora” ou que “minha assinatura do app está prestes a expirar”.
⚠️️Proteja sua conta: escolha uma senha forte e sempre tome cuidado ao fazer login em um computador público ou compartilhado. O Tinder, por exemplo, não envia e-mail solicitando nome e senha. Se receber esse tipo de solicitação, denuncie imediatamente.
🔗 Cuidado para links enviados pelos usuários: é preciso ter atenção para não clicar em qualquer link suspeito. Denuncie se receber spam ou ofertas, incluindo links para sites comerciais ou tentativas de vender produtos ou serviços.
🤝🏻 Uso de confiança para aplicar golpe: evite falar para o crush sobre informações de amigos e familiares. O golpista pode continuar a conversa por semanas para conseguir dados para roubar sua identidade ou de conhecidos, que também podem ser futuras vítimas.
🤳🏻 Videochamada: a Polícia Civil e o Tinder recomendam fazer uma videochamada antes do encontro.
😶 Modo anônimo e dispositivo para bloquear: o Tinder disponibiliza para os usuários premium o “modo anônimo”, que permite ocultar totalmente o perfil. Os usuários também podem bloquear um perfil para evitar que ele apareça nas sugestões. A plataforma explica que é uma forma de evitar ver colegas de trabalho e ex-namorados (as).
📍 Escolha do lugar: marque o encontro durante o dia, evite encontros em uma residência, escadarias de shopping ou estacionamento de supermercados. Escolha um local público, movimentado e fora de uma região de risco. Avise colegas e familiares onde será o primeiro date e compartilhe a sua localização.
🚨 Combine uma ligação de emergência: peça para que pessoas de confiança liguem para saber como está a situação. Se ela não conseguir resposta poderá tomar providências ou até mesmo acionar socorro.
⏰ Mudanças de planos: se de última hora a pessoa mudar o ponto de encontro, a recomendação é cancelar.
🚘 Não aceite caronas: tenha o controle de como chegar e sair de seu encontro, para poder ir embora quando quiser. Se você estiver dirigindo, é recomendável ter um “plano B”, como um aplicativo de transporte ou um amigo para ajudar com uma carona.
Como denunciar?
🤬 Se ficar desconfortável, vá embora: se você não sentir em segurança, peça ajuda nas plataformas ou ligue para autoridades policiais (190).