O senador Flávio Bolsonaro (Patriotra-RJ) tenta há quase três meses emplacar seu nome de preferência na Corregedoria-Geral da Receita Federal, órgão central para destravar uma de suas teses defensivas que visa anular a origem da investigação do caso da "rachadinha".
O filho do presidente Jair Bolsonaro quer a nomeação do auditor fiscal aposentado Dagoberto da Silva Lemos. Ele é ex-diretor do Sindifisco (sindicato da categoria), cargo no qual apontou a suposta prática de acesso ilegal a dados fiscais de servidores que defendeu. A tese é usada pelo senador para anular a origem do caso da "rachadinha".
Lemos teve, na primeira metade de julho, reunião com o presidente e Flávio para debater sua futura atuação no cargo.
Houve, porém, resistência do secretário-especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, que indicou o auditor Guilherme Bibiani para o cargo. O posto está vago desde julho, quando encerrou o mandato de três anos do antigo corregedor, José Pereira de Barros Neto.
Em nota, Flávio negou participação na escolha do futuro corregedor e disse que "essa decisão cabe ao presidente da República", embora a lei dê essa atribuição ao secretário da Receita. Lemos não retornou ao contato da reportagem.
O Sindfisco manifestou, em nota nesta sexta-feira (10), "mais profundo repúdio a qualquer tentativa de ingerência externa na condução da nomeação do cargo de Corregedor-Geral".
"É inconcebível que para a nomeação de tal cargo, eminentemente técnico, sejam considerados elementos de cunho político, estranhos à capacidade e à experiência", afirmou a entidade.
A Corregedoria é órgão-chave para destravar a eventual confirmação de uma das teses defensivas do senador, de que teve seus dados fiscais acessados irregularmente. É dela a atribuição de apurar -e, eventualmente, divulgar- as ilegalidades apontadas pelos advogados de Flávio supostamente cometidas por auditores fiscais.
Barros Neto vinha resistindo em entregar informações sobre acessos aos dados fiscais do senador para os advogados de Flávio. O ex-corregedor é o segundo alvo da defesa do filho do presidente a perder um cargo. Em dezembro do ano passado, o auditor fiscal Christiano Paes Leme foi retirado da chefia do Escor07, o Escritório da Corregedoria da Receita Federal no Rio de Janeiro.
Os dois foram citados na petição da defesa do senador entregues a órgãos do governo federal em que descreve as supostas práticas de acesso irregular a dados fiscais.
Desde o ano passado, os advogados do senador alegam que seu cliente teve os dados fiscais acessados ilegalmente para fornecer informações ao relatório do Coaf, órgão de inteligência financeira que apontou as movimentações suspeitas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
O documento do Coaf é o pivô da apuração do caso das "rachadinhas", que levou à denúncia contra Flávio sob acusação de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro no fim do ano passado.
Atualmente, a acusação está fragilizada em razão de anulação das quebras de sigilo bancário e fiscal da investigação pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O relatório do Coaf, porém, pode ser usado para reabrir a apuração. Sua eventual anulação pelas ilegalidades apontadas impediria o prosseguimento do caso, avalia a defesa do senador.
Os advogados de Flávio acionaram no ano passado a Receita, o Serpro (empresa estatal que detém os dados do Fisco) e até a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para identificar as supostas irregularidades.
A Corregedoria da Receita realizou uma apuração especial para identificar os acessos aos dados de Flávio e de todo o entorno do presidente, mas o resultado da devassa não foi entregue à defesa do senador. O fisco afirma que tornar pública a atuação dos auditores permitiria um assédio sobre eles.
"Os servidores estariam expostos à cooptação criminosa de pessoas físicas e jurídicas, visando à obtenção de informações pertinentes não somente à sua situação fiscal e tributária própria e de terceiros, mas de eventuais procedimentos investigativos em curso na RFB", afirma parecer da Controladoria Geral da União sobre o tema.
O senador tenta na Justiça, ainda sem sucesso, obter essas informações.
Dagoberto Lemos, indicado por Flávio para a Corregedoria, já defendeu servidores que alegaram práticas semelhantes às apontadas pela defesa do senador quando era diretor de Defesa Profissional do Sindifisco.
Ele participou de reuniões para apontar supostos acessos ilegais a dados de alguns dos auditores signatários da petição que inspirou a nova tese de defesa do senador.
Cinco auditores fiscais apresentaram representação ao Sindifisco contra membros do Escor07, apontando a suposta prática de acessos ilegais a dados fiscais. Um conselho do sindicato chegou a emitir parecer favorável à desfiliação de quatro membros do Escor07. Contudo, a entidade decidiu não concluir o julgamento, alegando não ser o foro adequado.
Os auditores que usaram esta tese na Justiça também têm sofrido sucessivas derrotas na tentativa de anular os atos de investigação sob a alegação de que tiveram seus dados acessados ilegalmente.
Além da disputa na Receita, o tema já mobilizou também a Polícia Federal, que decidiu instaurar um inquérito sobre supostos acessos irregulares a dados fiscais de autoridades identificados pelo TCU (Tribunal de Contas da União). O tema, embora de interesse da defesa do senador, atende também a desejo de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do próprio TCU que entraram em rota de colisão com a Receita.
Em nota, Flávio Bolsonaro criticou o ex-corregedor Barros Neto por, segundo ele, não ter feito nada em relação ao relatório do TCU. "Ante a omissão, foi instaurado, de ofício, inquérito pelo Ministério Público Federal para investigar os fatos", diz o senador, em nota. As informações do tribunal, porém, foram fornecidas pela própria Receita.