Mais do que reconhecer a importância de uma das mais antigas tradições artísticas, o Dia Mundial do Circo, celebrado em 27 de março, faz um convite à reflexão sobre o papel social de famílias e companhias circenses que promovem e ampliam o acesso à cultura popular nas mais diversas regiões do país.
A data foi criada em 1972, em homenagem ao palhaço brasileiro Abelardo Silva, mais conhecido como Piolin. Filho de circenses, ele nasceu em 27 de março de 1897, cresceu no picadeiro e ganhou fama mundial após ser homenageado na Semana de Arte Moderna, em 1922.
Com diversos relatos que ligam sua origem a civilizações antigas – como China, Grécia e Egito –, o circo é um espetáculo cultural realizado em picadeiros, sob tendas e lonas, produzido por uma companhia geralmente itinerante que reúne diversos artistas: malabaristas, palhaços, bailarinas, trapezistas, mágicos e acrobatas, entre outros.
A estrutura, o formato e os figurinos variam do mais simples ao mais sofisticado, e os circos no Brasil e no mundo, em sua maioria, são constituídos por famílias circenses cujos conhecimentos são ou foram transmitidos de geração a geração. No Espírito Santo, a presidente da Associação Capixaba de Circo, Jucilia Alves de Oliveira, é uma artista e profissional do setor que ressalta a importância da tradição no árduo trabalho de perpetuar esse fazer cultural.
“Eu amo o circo e não me vejo fora dele. Já faz quarenta anos que estou no circo. É uma arte milenar e maravilhosa, uma tradição passada de geração a geração. Aqueles que nascem dentro do circo são criados no circo, formam-se artistas. Meus filhos e meus netos, todos, nasceram no circo. Isso tem uma importância imensa para nós”, afirma.
Produtora cultural, artista circense e representante do circo CriArt, de Cariacica, Francimara da Silva também destaca como a linguagem do circo tem seu papel social por ser uma atividade familiar e acessível a todo tipo de público, afinal os grupos e percorrem várias cidades e estados com suas apresentações. “O circo tem o importante papel social de levar a cultura circense milenar ao maior número de pessoas possível. É uma forma de arte muito acessível, capaz de chegar a regiões que outras artes não alcançam, a bairros onde as pessoas têm pouco acesso à cultura.”
Para ela, cuja família já está na quinta geração dentro do circo, o meio circense é sinônimo de tradição familiar e união. “Aprendemos nossa arte no picadeiro com os nossos mestres. É uma tradição que passa de pai e mãe para os filhos. O circo é o que dá sentido para as nossas vidas.”
Desafios da itinerância
No contexto da itinerância, muitas famílias circenses, por não terem residência fixa, são vistas com preconceito. Romper essa barreira é um dos principais desafios do meio, além de enfrentar dificuldades relativas a questões burocráticas.
Titular da Câmara de Artes Cênicas do Conselho Estadual de Cultura (CEC) e presidente do Centro de Apoio e Memória ao Circo, Verônica Gomes afirma que o desafio mais pontual é vencer a burocracia que o circo enfrenta em sua itinerância. “Para ter direito de acesso ao SUS, por exemplo, é preciso ter endereço fixo. Essa é uma das muitas dificuldades enfrentadas pelo artista de circo itinerante. É preciso garantir os direitos básicos, para que esse artista tenha acesso a todos os serviços e benefícios em qualquer lugar onde o circo estiver hoje ou amanhã. ”
Jucilia também enfatiza a resistência de algumas autoridades à instalação das lonas em suas cidades, a falta de financiamento, a divulgação das apresentações em escolas e a dificuldade de acesso a direitos básicos por falta de domicílio fixo. “Nossa luta, na Associação Capixaba do Circo, é para que o circo seja respeitado em todo lugar onde ergue sua lona. Respeitado principalmente pelas autoridades, porque nossa arte é uma arte merecedora.”
Ações da Secult
Para auxiliar os empenhos que visam fortalecer e valorizar as atividades circenses no Estado, a Secretaria da Cultura (Secult) desenvolve diversas ações a fim de garantir o acesso às políticas públicas e à qualificação desse segmento que é tão importante para a cultura capixaba. A mais antiga e consolidada ação é o edital de Circo Tradicional Capixaba, resultante do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), principal mecanismo do Estado para fomento e incentivo de projetos e ações culturais. Esse edital é fruto da necessidade de se reconhecer, valorizar e apoiar os circos itinerantes de lona estabelecidos no Espírito Santo, em reconhecimento da trajetória de diferentes famílias circenses, ao mesmo tempo que pretende apoiar a manutenção e as melhorias na estrutura e nos equipamentos dos circos, para que possam atender ao público de forma cada vez melhor.
Outra ação importante é o cadastro de certificado de Circo Itinerante Capixaba. Aprovado por unanimidade na 150ª reunião ordinária do Conselho Estadual de Cultura (CEC), em setembro de 2022, o certificado pretende reconhecer a existência das atividades, facilitando o mapeamento e a compreensão da realidade das famílias tradicionais circenses pelo Estado – um dos primeiros no Brasil a realizar esse tipo de mapeamento.
“É importante lembrar que o Espírito Santo saiu na frente, com esse trabalho de certificação do circo. Graças a isso, o circo será mais respeitado e valorizado pelos gestores públicos”, diz Verônica Gomes, evidenciando a importância dessa iniciativa para a profissionalização das comunidades circenses.
Para fazer o cadastro, a entidade circense precisa enviar sua documentação e atender a alguns pré-requisitos – por exemplo, pertencer ou ser administrado por família tradicional circense em lonas itinerantes pelo estado e comprovar atuação e sede por, no mínimo, dois anos anteriores ao pedido do cadastro. O certificado tem validade de dois anos, renovável pelo mesmo período, quando for de interesse da entidade para pedir o certificado.
Saiba mais no LINK. > https://secult.es.gov.br/Not%C3%ADcia/circos-itinerantes-capixabas-ganharao-selo-de-certificacao-de-suas-atividades
A certificação é resultado de outra ação da Secult: a Comissão de Circo do Conselho Estadual de Cultura do Espírito Santo (CEC), criada em 2019 e constituída por representantes dos grupos, da sociedade civil e do poder público estadual. A comissão tem o papel de desenvolver ações em conjunto com a Secult por meio de reuniões, visitas técnicas e outras atividades de interlocução entre a classe artística e o poder público, ampliando o conhecimento e o acesso à informação sobre as inúmeras ferramentas para a criação de projetos.