Parte da floresta amazônica em Rondônia virou pasto. Nos últimos anos, grileiros e madeireiros vêm avançando com mais força até mesmo sobre unidades de conservação e terras indígenas, teoricamente protegidas pela legislação.
Isso levou Rondônia, um dos principais redutos bolsonaristas da Amazônia, ao posto de segundo estado que mais perdeu área protegida nos últimos anos entre os nove que formam a Amazônia Legal, atrás apenas do Pará.
"A grilagem é um dos principais causadores do aumento do desmatamento em Rondônia", diz Neidinha Suruí, cofundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, uma das cinco instituições da Frente Ampla de Defesa das Áreas Protegidas em Rondônia.
"Não dá para continuar tratando a grilagem como se fosse normal, porque não é. As leis precisam funcionar no estado", critica, defendendo a urgência de retirar os invasores de áreas protegidas e reverter os danos.
Soma-se a isso a movimentação política local que avança sobre as unidades de conservação estaduais. Políticos do estado têm atuado para reduzir as áreas protegidas.
Nesse cenário, frear a destruição da floresta não é um problema simples para os próximos governantes resolverem, dizem ambientalistas. O desmatamento em Rondônia aumentou em 15% nos últimos quatro anos, segundo levantamento do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) com base em dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). De 2019 a 2021, mais de 4.000 km² de floresta foram engolidos no estado.
As constantes invasões às unidades de conservação e terras indígenas ainda refletem no aumento da violência. Rondônia foi o estado com maior número de assassinatos por conflitos no campo no ano passado, segundo o relatório da Comissão Pastoral da Terra. Onze das 35 mortes registradas no país ocorreram em solo rondoniense.
"A gente vem sofrendo impacto social, ambiental e ameaças constantemente. Não temos liberdade para viver dentro da nossa própria terra", afirma o cacique André Karipuna. Seu povo vive em uma das terras indígenas mais ameaçadas da Amazônia, demarcada há 26 anos, a cerca de 200 km de Porto Velho. "Estão degradando, formando pastos e retirando madeira da nossa terra."
Além das ameaças, indígenas e ribeirinhos do estado convivem com uma rotina de queimadas no segundo semestre, período do ano mais usado para incendiar a floresta e ocupar a terra.
"Começa em julho, tem muita fumaça. O sol chega a estar vermelho com a destruição. Isso prejudica nossa saúde", diz o cacique.
O governador Marcos Rocha (União Brasil), coronel da Polícia Militar que é candidato à reeleição, enviou à Assembleia Legislativa em 2021 um projeto de lei que reduzia a área protegida de diversas reservas ambientais.
Deputados estaduais, por sua vez, incluíram emendas que geraram críticas do próprio governador, que julgou a lei "o maior retrocesso ambiental de Rondônia". Mesmo assim, horas depois, ele decidiu sancionar a lei aprovada na Assembleia, que retirava a proteção de quase 200 mil hectares.
A decisão, entre outros impactos, praticamente extinguia a Reserva Extrativista Jaci-Panará, que perderia 88% de seu território. O próprio governo estima que há mais de 120 mil cabeças de gado nessa terra pública, o que revela uma ocupação de grandes pecuaristas.
O Parque Estadual Guarajá-Mirim, onde há presença de indígenas isolados, também seria afetado pela nova lei, que acabou derrubada meses depois por decisão judicial que a considerou inconstitucional.
Mesmo assim, grileiros e madeireiros seguiram avançando por esses territórios, segundo ambientalistas e indígenas, por confiarem na falta de fiscalização nessas áreas.
No ano passado, o governador Marcos Rocha chegou a retirar o apoio da PM às operações de fiscalização, mas recuou após críticas. A reportagem procurou o Governo de Rondônia para comentar essas questões, mas não houve retorno.
Nos últimos anos, Rondônia, Acre e Amazonas tem planejado um projeto integrado de incentivo ao agronegócio na divisa entre os três estados, chamado de Amacro.
Para o diretor de políticas públicas e desenvolvimento territorial do Ipam, Eugênio Pantoja, essa iniciativa semelhante ao Matopiba -maior fronteira de expansão agrícola do país, em Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia- deveria vir acompanhada de ações que garantam a sustentabilidade da floresta.
"O que não pode fazer é entrar lá, desmatar e ocupar [acreditando] que a gente vai regularizar depois. Com esse tipo de política, a gente certamente está fadado ao fracasso, causando uma insegurança permanente", diz.
O pesquisador defende um planejamento territorial e ambiental para a exploração econômica, com destaque também a outras atividades com potencial na Amazônia, como a biotecnologia.
A influência da agropecuária na economia e na política local está presente nas propostas dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas eleitorais para o governo do estado.
Líder nas pesquisas, Rocha diz querer dar maior celeridade ao licenciamento ambiental e avançar no trabalho de regularização fundiária junto à União. Também propõe um levantamento dos potenciais geradores de ativos das unidades de conservação estaduais.
Já Marcos Rogério (PL), segundo colocado nas pesquisas, promete transformar as "florestas num poderoso ativo econômico", conforme o plano de governo.
Ele propõe regularização fundiária e recuperação de áreas degradadas, além de venda de créditos de carbono e criação de selo verde para o "branding de produtos e serviços".
Léo Moraes (Podemos), terceiro na disputa, de acordo com as pesquisas, coloca como metas o controle do desmatamento ilegal e a expansão das florestas plantadas. O candidato prevê ainda incentivo à iniciativa privada para que haja remuneração por "serviços ecossistêmicos prestados".