Candidatos em Portugal não respondem a convite para debate sobre xenofobia

Por

Folhapress

A discriminação contra brasileiros lidera a lista de queixas com motivações étnico-raciais da CICDR (Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial), órgão de prevenção e combate às práticas discriminatórias em Portugal

A dois meses das eleições que escolherão o novo primeiro-ministro de Portugal, os representantes dos dois partidos políticos que lideram as pesquisas de intenção de voto ignoraram um convite para a realização de um debate sobre a xenofobia no país.

A organização do evento diz que Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista, e Luís Montenegro, presidente do PSD (Partido Social Democrata), nem sequer responderam ao convite, enviado pela primeira vez em 23 de dezembro.

Em um momento de aumento de queixas de xenofobia e de agressões a estrangeiros, a pressão para que os candidatos às eleições lusas se manifestem sobre o tema tem crescido também no Brasil.

Na terça-feira (9), o líder do governo no Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), publicou uma mensagem nas redes sociais sobre o tema, marcando os perfis de ambos os políticos.

“Os brasileiros representam a maior comunidade de imigrantes em Portugal. Por isso, é importante acompanharmos as eleições no país e como os líderes políticos propõem lidar com a xenofobia contra brasileiros. Todo o nosso apoio ao debate sobre o assunto”, escreveu.

A discussão sobre o tratamento à crescente comunidade imigrante -que já ultrapassou a marca de 1 milhão de pessoas, cifra notável em uma população de cerca de 10,3 milhões- foi formalizada pela Associação Brasil Portugal 200 anos em parceria com o espaço cultural e gastronômico Cícero, que se tornou polo de debates sobre a relação entre os dois países.

Sócio do local, o economista Paulo Dalla Nora Macedo diz que os políticos, assim como seus partidos, foram contatados de diversas formas, incluindo email e mensagens para membros do partido no WhatsApp. “Não tivemos resposta nenhuma da parte deles.”

No mesmo dia da divulgação oficial do convite, um dos principais jornais de Portugal, o Diário de Notícias, publicou uma reportagem com o título “Associação Brasil Portugal 200 anos convida Pedro Nuno Santos e Montenegro para debate sobre xenofobia”.

Procurada, a assessoria de Pedro Nuno Santos, do Partido Socialista, disse que não tinha conhecimento do convite. “Existindo algum convite concreto para debate, aguardamos mais informação.”

Da parte de Luís Montenegro, a informação é de que ainda não houve resposta devido à ausência de uma proposta de data para o evento, já que o convite mencionava apenas o período de 15 a 19 de janeiro. “Precisamos de uma data precisa para verificar disponibilidade”, informou a assessoria do partido.

O texto enviado aos políticos portugueses propunha que o debate acontecesse “na semana do 15 ao 19 de janeiro de 2024, às 19h, e em dia a ser definido em comum acordo pelos dois convidados”, pedindo ainda que eles enviassem, por email, a “indicação do dia preferencial e um dia alternativo”.

Dalla Nora afirma que o convite deixava claro que a data era flexível, justamente para acomodar o evento dentro das agendas eleitorais das siglas. “De qualquer modo, o convite está aberto e é público. Podemos fazer quando eles puderem.”
“Sem dúvida alguma, esse é o debate mais importante da relação entre Brasil e Portugal. Não é coincidência que a imigração seja tema das eleições em Portugal, e o Brasil vai estar no centro disso, já que forma a maior comunidade estrangeira.”

O ex-banqueiro diz que a realização do debate ganhou amplo apoio da comunidade de empresários brasileiros radicados no país europeu. Segundo ele, mesmo os mais abastados deles acabam lidando com a xenofobia em Portugal. “Não é uma questão de não conseguir emprego ou algo assim, é mais uma xenofobia econômica, de ter dificuldade com contratos, com fornecedor nos negócios.”

A discriminação contra brasileiros lidera a lista de queixas com motivações étnico-raciais da CICDR (Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial), órgão de prevenção e combate às práticas discriminatórias em Portugal.

O número desses registros se multiplicou por nove entre 2017 e 2022, saltando de 18 para 168.

Na semana passada, a Casa do Brasil de Lisboa, mais antiga organização de apoio à comunidade brasileira no país, divulgou uma nota expressando preocupação com o aumento dos casos de xenofobia e de agressões contra imigrantes em Portugal.

Vice-presidente da instituição, a cientista política Ana Paula Costa, pesquisadora do Instituto Português de Relações Internacionais e especialista na área das migrações, chama a atenção para a mudança dos posicionamentos políticos em relação à presença da população estrangeira.

“Há um claro aumento na discriminação e na xenofobia, mas o que há de novo, além disso, é uma maior tensão social. Ainda precisamos de um estudo a longo prazo, mas trabalhos já realizados em Portugal mostram que a imigração nunca foi tão politizada no país.”

“A novidade é que agora parece haver mais aderência social. O consenso político e social sobre a imigração claramente acabou”, completa.

Com uma população envelhecida e baixa taxa de natalidade, Portugal depende cada vez mais de estrangeiros para manter o equilíbrio demográfico e a sustentabilidade de setores-chave da economia, como a agricultura e os serviços, sobretudo aqueles voltados para o turismo.

Nos últimos anos, o governo comandado por António Costa (Partido Socialista) adotou uma série de medidas que facilitaram a imigração, com destaque para um acordo de mobilidade para cidadãos das nações da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

O mecanismo, que permitiu uma regularização em massa de estrangeiros, alguns vivendo havia vários anos no país, fez a contagem oficial de brasileiros disparar, ultrapassando a barreira de 400 mil pessoas no fim de 2023.

Como as cifras não incluem quem está situação irregular e nem o largo contingente de quem tem dupla cidadania de Portugal ou de outros países da União Europeia (UE), a dimensão real da comunidade brasileira é ainda maior.

Graças a um acordo de reciprocidade, os cidadãos do Brasil têm ainda um diferencial em relação aos demais estrangeiros residentes em Portugal: a possibilidade de votar nas eleições legislativas mesmo sem ter a nacionalidade lusa.

Para pedir a chamada igualdade de direitos políticos, é preciso estar vivendo legalmente em Portugal há pelo menos três anos. Quem opta por votar no país, no entanto, não pode mais votar nas eleições brasileiras.

Confira mais Notícias

Xenofobia

Mundo

Brasileira relata xenofobia em Portugal: 'Não é portuguesa, não deve cá estar'

plugins premium WordPress