Medida pode impactar tratamentos para câncer, obesidade, doenças cardíacas e doença de Crohn – Foto: Kevin Lamarque/Reuters
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estuda impor restrições severas a medicamentos produzidos na China, em um movimento que pode redefinir o setor farmacêutico americano, informa o The New York Times em reportagem repercutida pela Folha de S.Paulo.
A Casa Branca avalia uma ordem executiva que limitaria o fluxo de tratamentos experimentais desenvolvidos em território chinês, incluindo drogas para câncer, obesidade, doenças cardíacas e doença de Crohn. O possível bloqueio mobilizou grandes grupos de interesse: de um lado, investidores ligados a Trump e ao seu círculo político; de outro, gigantes da indústria farmacêutica, como Pfizer e AstraZeneca, que têm se beneficiado da compra de medicamentos chineses a preços competitivos.
Pressão de investidores e gigantes farmacêuticas
Entre os defensores da medida estão nomes de peso no setor financeiro e tecnológico, como Peter Thiel, Sergey Brin e a família Koch. Eles argumentam que o avanço chinês ameaça startups americanas de biotecnologia, que já enfrentam dificuldades para competir. Segundo apurou o NYT, parte desses investidores tem participação em empresas menores nos EUA e vê a ascensão chinesa como um risco direto para seus negócios.
Na outra ponta, companhias globais como Pfizer, Merck, AstraZeneca e Sanofi têm reforçado suas apostas na China, adquirindo medicamentos experimentais promissores. Dados da consultoria DealForma mostram que, apenas no primeiro semestre deste ano, 38% das grandes transações no setor envolveram drogas desenvolvidas em laboratórios chineses.
“As grandes empresas estão realmente se beneficiando. Elas estão conseguindo ótimos negócios e não vão querer que isso acabe”, disse Brad Loncar, ex-investidor de biotecnologia e atual diretor da BiotechTV.
Segurança nacional e impacto para pacientes
Democratas e republicanos concordam que a dependência dos Estados Unidos em relação à China representa uma vulnerabilidade estratégica. O temor é que, em caso de crise sanitária, Pequim restrinja exportações, prejudicando pacientes americanos.
Um rascunho da ordem executiva obtido pelo NYT afirma que a China “explorou lacunas em sistemas científicos e regulatórios abertos” e defende incentivos para ampliar a produção nacional de medicamentos, incluindo antibióticos e analgésicos como o acetaminofeno (Tylenol genérico). Entre as propostas estão créditos fiscais para empresas que transferirem fábricas para os EUA e prioridade do governo na compra de produtos fabricados localmente.
Reações dentro da Casa Branca e da indústria
O porta-voz da Casa Branca, Kush Desai, declarou nesta semana que o governo não está “considerando ativamente” o projeto. Ainda assim, fontes ouvidas pelo jornal apontam que a equipe de Trump segue discutindo versões da ordem com investidores e empresários.
Albert Bourla, CEO da Pfizer, tem sido uma das vozes mais críticas à medida. Em entrevista, afirmou: “Você não quer que eles [os chineses] parem de tratar o câncer”. O executivo ressaltou que os acordos trazem benefícios tanto para sua empresa quanto para os pacientes nos EUA.
No início deste ano, Bourla esteve em Pequim e participou de reuniões com o primeiro-ministro Li Qiang. Pouco depois, a Pfizer fechou um acordo bilionário com a chinesa 3SBio para adquirir os direitos de um medicamento experimental contra o câncer, em uma transação avaliada em até US$ 6 bilhões.
Cenário incerto para o futuro da biotecnologia
Se implementada, a ordem executiva representaria o primeiro movimento direto de Trump contra a entrada de medicamentos chineses no mercado americano. Críticos alertam, no entanto, que a repressão pode restringir o acesso de pacientes a terapias inovadoras e reduzir a competitividade global da indústria dos EUA.