Filhote de cachorro bordeaux — Foto: Ilona Krijgsman/ Pixabay
Os animais de estimação estão mais populares do que nunca. Segundo a American Pet Products Association, aproximadamente dois terços dos lares americanos têm, pelo menos, um pet, em comparação com 56% em 1988. Além disso, os tutores gastaram US$ 136,8 bilhões com seus animais em 2022, em comparação com US$ 123,6 bilhões em 2021. Estima-se que 91 milhões de casas na Europa também possuam, ao menos, um animal de estimação – um aumento de 20 milhões na última década. A população de animais de estimação na Índia, por exemplo, atingiu 31 milhões em 2021, em comparação com 10 milhões em 2011.
Nossos pets estão se tornando cada vez mais parecidos conosco – ou, pelo menos, esse parece ser o nosso objetivo. Mimamos eles com planos de nutrição personalizados, mochilas de transporte, hidroterapia para cães e estadias em hotéis boutique para gatos. Na All the Best, uma cadeia de lojas de animais de alta qualidade em Seattle, nos Estados Unidos, os itens mais populares são brinquedos de enriquecimento para felinos e caninos, projetados para estimulá-los e trazer felicidade aos animais. Segundo Annie McCall, diretora de marketing da rede, cada vez mais eles “estão deitados sozinhos e entediados”.
Agora, alguns especialistas em ética animal e cientistas veterinários estão se perguntando se, em nossos esforços para humanizar os pets, fomos longe demais. Quanto mais tratamos os animais de estimação como pessoas, mais restritas e dependentes de nós se tornam as vidas deles, e mais problemas de saúde/comportamentais eles desenvolvem.
— Vemos os animais não apenas como membros da família, mas como equivalentes às crianças. O problema é que cães e gatos não são crianças, e os donos têm se tornado cada vez mais protetores e restritivos. Por isso, os animais não podem expressar suas próprias naturezas de cão e gato tão livremente — disse James Serpell, professor emérito de ética e bem-estar animal da Escola de Medicina Veterinária, da Universidade da Pensilvânia.
Mimamos os pets com planos de nutrição, mochilas de transporte e estadias em hotéis — Foto: Hiroko Masuike / The New York Times
Os riscos à saúde começam com a criação, claro. Uma das raças de cães mais populares nos Estados Unidos é o bulldog francês, membro da família braquicefálica de cães com rosto achatado, que se relacionam bem com as pessoas, mas têm dificuldade para respirar, além de outros problemas graves de saúde.
Mas também estamos mudando a relação de nossos animais com o ambiente que nos rodeia. Por preocupações com a predação de pássaros, muitos gatos passam a vida inteira dentro de casa. Até o final da década de 1970, cães das cidades passavam a maior parte do tempo ao ar livre, seja nos quintais ou vagando sem coleira pelo bairro. Agora, de acordo com Jessica Pierce, uma bioeticista especializada nas relações entre animais e humanos, “o cão solto e sem coleira é considerado contra a ordem natural das coisas.”
Um dos segmentos de mercado que mais cresce é o chamado setor de confinamento de animais de estimação, que inclui caixas e cercas internas, bem como cabrestos e coleiras eletrônicas.
— O nível de restrição que os cães enfrentam é profundo — disse Pierce. Embora os cães, há décadas, fossem mais propensos a serem atropelados por carros, acrescentou a bioeticista, “esses riscos eram superados pela liberdade de experiência e movimento”
De acordo com Serpell, o paradoxo moderno dos pets, em resumo, é que “os donos não querem que os cães se comportem como cães”.
O paradoxo moderno dos pets é que ‘os donos não querem que os cães se comportem como cães’ — Foto: Graham Dickie / The New York Times
Embora os cães sejam permitidos em um número crescente de espaços humanos – como restaurantes, escritórios, lojas, hotéis, além de mais parques com áreas designadas para cães – sua presença crescente não se traduziu em maior independência.
O confinamento e o isolamento, portanto, geraram um aumento na ansiedade de separação e na agressividade dos animais, segundo Serpell. Aproximadamente 60% dos cães e gatos estão com sobrepeso ou obesidade. Devido, em parte, ao ônus e ao custo da posse moderna de animais de estimação – taxas veterinárias, cuidadores de animais, hospedagem – mais pessoas estão abandonando animais em abrigos, levando a taxas mais altas de eutanásia. Em 2023, mais de 359 mil cães foram sacrificados nesses lugares, um recorde de cinco anos, de acordo com o grupo de defesa dos animais, Shelter Animals Count.
— Estamos em um momento estranho de obsessão por animais de estimação. Há muitos deles e os mantemos de forma muito intensa. Não é bom para nós e nem para eles — alertou Pierce.
É verdade que domesticar um animal sempre significou encontrar um equilíbrio entre a natureza dele e a nossa.
— Definir liberdade para um cão, um animal que foi domesticado artificialmente e selecionado por humanos durante tanto tempo, é um enigma interessante — contou Alexandra Horowitz, pesquisadora de cognição canina no Barnard College.
Ela traçou um contraste com cães de vida livre, uma categoria à qual pertence a maioria dos estimados 900 milhões de cães do mundo. Caninos que vivem livremente, por exemplo, têm vidas mais curtas e não têm garantia de comida, de acordo com Horowitz, mas eles fazem todas as suas próprias escolhas.
— Esse é um modelo interessante para olharmos. Pensar em como tornar a vida de um cão mais rica em escolhas, para que eles não fiquem apenas cativos de nossos caprichos o tempo todo, sem colocar em risco a sociedade em geral — explicou a pesquisadora.
Nos últimos anos, países escandinavos começaram a proibir a criação de algumas raças de cães particularmente propensas a doenças, como o Cavalier King Charles spaniel. Na Suécia, é ilegal deixar pets sozinhos em casa por longos períodos de tempo, assim como dentro de caixas – medida que a Finlândia também adota.
Mas não está claro se essas políticas de bem-estar animal conciliam ou reforçam o paradoxo fundamental da criação moderna de animais de estimação, segundo Harold Herzog, professor emérito de psicologia na Universidade Western Carolina, que estuda as relações entre animais e humanos.
— Quanto mais vemos cães e gatos como criaturas autônomas, menos podemos justificar possuí-los como animais de estimação — comentou o professor.
Há alguns anos, Herzog passou férias na ilha de Tobago e ficou grande parte do tempo observando os cães vadios que perambulavam pela paisagem.
— Eu me perguntei: ‘Prefiro viver em Manhattan como um cão mimado ou prefiro ser um cão em Tobago andando com meus amigos?’. Sim, eu preferiria ser um cão em Tobago — afirmou.
Essa não é uma opção prática para a maioria das pessoas, nem necessariamente boa para os Tobagos do mundo. Em vez disso, para o dono moderno de pets, Serpell ofereceu um conselho: “Desfrute da companhia do seu cão, mas eles não são pessoas. Conheça o animal sob sua própria perspectiva em vez de forçá-los a se conformar com a sua. Isso permite que você experimente indiretamente a vida de outro ser”.