Marcos Akira e Nataska Kuntz chegaram em 2019 atraídos por uma oportunidade de negócios e hoje fabricam eletrocalhas — Foto: Denise Paro
Se um dia os brasileiros cruzaram a fronteira com o Paraguai para derrubar toras e semear campos de soja, hoje eles procuram o país em busca de outros sonhos. Tornar-se médico ou empreendedor é o que faz uma leva de imigrantes deixar o Brasil para viver no vizinho sul-americano. A Direção Nacional de Migração do Paraguai calcula que nos últimos 10 anos foram emitidas 200 mil carteiras para regularizar estrangeiros no país. Desse total, 110.737 saíram em nome de brasileiros, das quais 61.295 temporárias e 58.442 definitivas.
Um dos fluxos de entrada mais intensos na última década é de estudantes. O Paraguai tem hoje 25 mil a 30 mil estudantes de Medicina, 90% a 95% deles de origem brasileira, conforme a Direção de Migração. Sem precisar se submeter a vestibulares concorridos e pagar mensalidades exorbitantes cobradas no Brasil que podem variar de R$ 10 mil a R$ 15 mil ou mais, os brasileiros saem das mais longínquas regiões, incluindo Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e a maior parte se estabelece em Ciudad del Este, fronteira com Foz do Iguaçu (PR) ou Pedro Juan Caballero, limites com Ponta Porã (MS).
Lá eles pagam cerca de R$ 1.200 a R$ 1.500 ao mês nos primeiros anos de faculdade. Estima-se que o país tenha entre 40 e 44 faculdades de Medicina em funcionamento.
O brasileiro Almir Pinheiro, 33 anos, foi para o Paraguai no início deste ano — Foto: Denise Paro
Almir Pinheiro, 33 anos, foi para o Paraguai no início deste ano. Ele deixou Trindade (GO) para morar em Ciudad del Este. Graduado em Educação Física e Fisioterapia no Brasil, o rapaz diz ter cruzado a fronteira em busca de um sonho. No início, teve medo por não conhecer o país e não saber o espanhol, falado não somente nas ruas, mas na sala de aula.
— Hoje posso dizer que fiz a melhor escolha da vida, muitos vão criticar, outros apoiar, mas só você vai saber o quanto é satisfatório e compensa.
Almir mora em um quarto de hotel. Com as economias que fez no Brasil quando trabalhava, ele conseguiu guardar dinheiro para ficar exclusivamente estudando, sem depender da família ou precisar trabalhar. Ele diz que já se ambientou no Paraguai, fez amigos de 18 a 60 anos, e saiu da zona de conforto da vida que levava no Brasil.
— É dia e noite estudando direto. Eu canso 10 vezes mais. Também aprendo outra cultura e língua — conta.
Pujança para empreender
Por outro lado, o Paraguai transformou-se em um porto fértil para se fazer negócios. Em 2023, o crescimento do país foi de 4,7%, o maior índice do Cone Sul. O que move os imigrantes empreendedores é o custo operacional mais em conta que no Brasil, considerando impostos e a energia elétrica, pelo menos 60% mais barata em relação a Paraná e São Paulo.
Filho de imigrantes brasileiros, Maurício Rúbio, 46 anos, nasceu em Foz do Iguaçu e cresceu no Paraguai. Começou a vida no país vendendo insumos, foi gerente de empresas de máquinas agrícolas e recentemente decidiu investir em um setor do país em franco crescimento: incorporadora de condomínios de alto padrão.
É dele e da corretora Andreia Calegari, 42 anos, o projeto do condomínio Paraíso das Águas, situado às margens do Lago Iguaçu, em Mariscal Lopéz, a 60 quilômetros de Foz do Iguaçu. Com 235 terrenos, o empreendimento é inspirado em condomínios americanos, com bar e piscinas de frente para o lago, prestes a serem inaugurados. Terrenos já foram comercializados para japoneses, canadenses e americanos.
— O Paraguai é um país que abre portas — conta Maurício.
Outros setores com maciça presença de brasileiros são o industrial e o comercial. Na região da fronteira, proliferam indústrias têxteis, de calçados, radiadores, insumos hospitalares, autopeças, além de restaurantes, cafés, panificadoras, barbearias.
Alguns desses empreendimentos comerciais de brasileiros ficam em um bairro de luxo, chamado Country Clube, no município de Hernandarias, a 15km de Foz do Iguaçu. Lá, o Paraguai se transforma. Além do requinte arquitetônico, o bairro tem condomínio fechado e alguns moradores usam carro de golfe para se deslocar.
Ainda na região próxima à fronteira, há uma concentração de indústrias no município de Minga Guazú, a 14km de Foz do Iguaçu. É lá que fica a fábrica de eletrocalha dos brasileiros Marcos Akira e Nataska Kuntz, ambos com 36 anos. Eles moravam na Áustria, até que em 2019 surgiu uma oportunidade para empreender no Paraguai, onde o pai de Nataska mora.
Após passar dificuldades no período da pandemia, os brasileiros viram o negócio prosperar. No ano passado, o crescimento foi de 10%, embalado pelo aquecimento da indústria de construção civil no país. Todos os 22 funcionários da empresa são paraguaios. Além da estabilidade para empreender, o casal encontra tranquilidade para morar no país.
— Comparando com o Brasil, pode-se dizer que aqui é mais seguro — diz Nataska.
A fiscalização nas empresas de origem brasileira costuma ser mais rígida, dizem os empresários, mas nada impede uma boa relação com os paraguaios.
— Nossa relação é ótima. Quem trabalha não pensa em “tonterías”. Buscamos vender e comprar — diz Edgar Cuevas, integrante da União Industrial Paraguaia (UIP).
A imigração brasileira no Paraguai teve início no final da década de 1950 e se intensificou entre 1960 e 1970. Governante do país na época, o ditador Alfredo Stroessner (1954-89) lançou um plano de colonização e permitiu que estrangeiros adquirissem terras em áreas de fronteira. A notícia correu rápido. O governo ordenou a publicação de anúncios em jornais brasileiros oferecendo terras baratas. Corretores de também percorriam cidades brasileiras para fazer negócio.
Os brasileiros que aceitaram o desafio de cruzar a fronteira passaram a ser chamados de colonos “brasiguaios” — brasileiros que imigraram para o Paraguai. Alguns conseguiram um pequeno pedaço de terra para fazer a vida, enquanto outros fizeram fortuna e hoje vivem em cinturões de plantações de soja e milho rodeados por silos e multinacionais do agronegócio.
Os brasiguaios encontraram um Paraguai coberto por florestas e muito por fazer. Com o tempo, derrubaram árvores que viam pela frente e ergueram algumas das cidades pujantes situadas no departamento (estado) de Alto Paraná, região de destino da maioria.
Ali foram fundadas verdadeiras ilhas verde-amarelas, a exemplo dos municípios de Santa Rita, Santa Rosa del Monday, San Alberto e Naranjal. Muito costumes brasileiros foram “exportados” para as cidades paraguaias, que viram a chegada da cultura das cooperativas agrícolas, dos centros de tradições gaúchas e também do principal elemento de penetração, o idioma.
Em boa parte das cidades onde os imigrantes foram morar, o português é falado nas ruas e nas rádios, dividindo espaço com o espanhol e o guarani. Em alguns municípios, é comum ver prefeitos e vereadores nascidos no Brasil. É o caso de Naranjal. Lá, o prefeito é o engenheiro agrônomo Edoard Schaffrath, 61 anos. Paranaense de Marmeleiro, ele decidiu morar no Paraguai em 1988, após iniciar a carreira no Brasil.
Sem receio algum de cruzar a fronteira, Schaffrath chegou à cidade quando só havia estrada de chão e era possível circular apenas com caminhonete 4×4 em certos lugares. Atraído pelas condições financeiras favoráveis no lado paraguaio, começou a vida vendendo insumos. Com o passar do tempo, passou a produzir grãos, criar porcos, ovelhas e entrou na política após uma conversa com amigos.
Hoje, está no segundo mandato como prefeito de Naranjal, município de 10 mil habitantes onde a maior parte é formada por brasileiros e descendentes. A política por lá, diz, não é tão diferente do Brasil e as eleições nacionais costumam ser bem acirradas. Apesar disso, a convivência entre locais e imigrantes é ótima, define Schaffrat.
— Tem muitos casamentos entre brasileiros e paraguaios — diz.
O fluxo de volta ao Brasil não é intenso como o de entrada. Quem costuma fazer o caminho de volta são os brasileiros que conseguem o diploma de Medicina ou aqueles já idosos que dependem do serviço de saúde, ainda precário no país, e preferem garantias do SUS ou da rede particular do lado brasileiro da fronteira. Além da precariedade na saúde, outro ponto que incomoda os brasileiros no país é a cultura da corrupção, presente, principalmente entre policiais que costumam pedir propina nas estradas.
Coordenador da Direção Geral de Estrangeiros do Paraguai, Alexis Muñoz diz que os brasileiros são bem-vindos.
— Nunca tivemos uma política de fechar as fronteiras — afirma.
Para ele a presença dos estudantes de Medicina, por exemplo, é importante para movimentar a economia do país, tanto no setor de aluguéis como nos supermercados.
Para se estabelecer legalmente no Paraguai, os brasileiros precisam inicialmente tirar uma carteira de migrante provisória e depois uma permanente. Cada uma custa cerca de R$ 1.800. Para facilitar o processo, Muñoz diz que a Direção de Migração faz mutirões regulares no país.
No intuito de garantir a legalidade, a Direção de Migrações faz fiscalizações periódicas nas faculdades e empresas onde há estrangeiros. Quem estiver irregular recebe uma notificação e é encaminhado para fazer a documentação. Caso haja uma segunda abordagem, o estrangeiro é multado e pode até ser expulso do país, o que não é algo tão comum.