Brasileira relata xenofobia em Portugal: ‘Não é portuguesa, não deve cá estar’

Por

Estadão

“Não é portuguesa, não deve cá estar. Volte para o seu país”, disse a portuguesa

Uma brasileira, de 42 anos, foi vítima de xenofobia na cidade de Lisboa, em Portugal. O caso foi registrado na segunda-feira, 4, quando uma pesquisadora paulistana, que prefere não ter a identidade divulgada, sofreu o ataque no Rossio, na região central da cidade.

A brasileira diz que, após ser xingada, decidiu pegar o celular para registrar o ocorrido. “Não é portuguesa, não deve cá estar. Volte para o seu país”, disse a portuguesa, mesmo enquanto era filmada e questionada pela brasileira.

“Eu estava com três sacolas pesadas, com as compras do mercado, e machucando as minhas mãos. Assim que cheguei no ponto de ônibus do Rossio, na região central de Lisboa, essa senhora estava sentada no banco, numa das pontas. Na outra ponta, no lugar de eu sentar e continuar segurando desconfortavelmente as sacolas, eu as apoiei. Depois chegou um senhor e sentou no meio e ela começou a reclamar comigo, de modo grosseiro, que ele sentou perto dela porque o outro lado estava com as minhas sacolas. Então, sentei e coloquei as minhas sacolas no colo. A partir deste desentendimento banal, ela aproveitou para fazer ataques xenofóbicos”, afirmou a vítima ao Estadão.

“Uma das coisas que mais me impressiona é como essas pessoas se sentem à vontade para proferir insultos xenofóbicos publicamente. Quando eu peguei o telefone para gravar, ela tinha acabado de dizer que o Brasil é um país de ladrões”, prosseguiu.

A vítima conta que, na primeira parte da gravação, a senhora portuguesa chegou a bater na sua mão. “Foi com as costas da mão. Dá para ver na gravação. Se eu não estivesse segurando forte o telefone, ele teria ido parar longe”, disse a brasileira.

Logo no fim do vídeo, um brasileiro se aproximou, mas não em solidariedade a ela. “A única pessoa que veio fazer uma intervenção foi um brasileiro, que veio para impedir minha gravação”, acrescentou a brasileira.

Assim que sofreu a agressão xenofóbica, ela afirma que ligou para a polícia. Mas foi informada de que a queixa somente seria registrada se ela fosse até uma delegacia de polícia com os dados da pessoa que a agrediu.

“Eu disse que era impossível ter os dados da pessoa. Ela nunca me passaria os dados. Perguntei se xenofobia era mesmo crime em Portugal e a atendente enfatizou que sim. Depois me perguntou se a mulher tinha parado de falar. E depois me perguntou o que fiz para que ela fizesse aquilo. Nesta hora, fiquei brava e perguntei se há algo que justifique um ato xenofóbico. A atendente disse que não, era só porque se eu fosse na esquadra (delegacia) teria de falar algo da minha parte”, afirmou a brasileira.

Depois, a atendente disse que, se a senhora voltasse a proferir tais palavras, era para a brasileira telefonar novamente. “Questionei se a polícia não poderia intervir quando o ato xenófobo já havia sido praticado, mas a atendente ficou muda e não soube responder.”

Procurada, a Embaixada do Brasil em Lisboa ainda não se posicionou.

A brasileira tem cidadania portuguesa e mora em Portugal desde 2019. Atualmente, vive com a filha, de 6 anos, o companheiro e duas gatas. Ela cita que, antes do episódio desta semana, já havia sofrido um ataque de xenofobia em 2020, pouco tempo depois de ter chegado ao país europeu.

“Estava no mercado, me abaixei para pegar uma lata e, quando levantei, minha máscara havia descido um pouco sem eu perceber, mas meu nariz não chegou a ficar para fora. Imediatamente, um homem falou grosseiramente para eu subir a máscara, o que fiz prontamente, dizendo que ele não precisava ser grosseiro. Ao que ele se aproveitou para dizer: ‘ah, é brasileira. Tinha que ser’. Eu fiquei paralisada, quase sem reação”, afirmou. “Eu já tinha vindo como turista e nunca me trataram mal. Mas, assim que vim morar aqui, na experiência cotidiana, logo aconteceu.”

Casos semelhantes

De 2021 a 2022, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial de Portugal apontou um aumento de 505% nas denúncias de xenofobia contra brasileiros. No ano passado, o número de estrangeiros subiu no país pelo sétimo ano consecutivo, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Neste ano, o governo de Portugal regularizou a situação migratória de mais de 100 mil brasileiros que aguardavam autorização de residência no país, conforme disse ao Estadão, Francisco André, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Ao todo, 110.621 cidadãos brasileiros foram beneficiados, conforme dados atualizados até meados de junho deste ano.

O que é xenofobia?

“Atitudes, preconceitos e comportamentos que rejeitam, excluem e frequentemente difamam pessoas, com base na percepção de que eles são estranhos ou estrangeiros à comunidade, sociedade ou identidade nacional”, é desta forma que a Agência da ONU para Refugiados (Acnur) descreve o termo.

“Nossas cortes superiores têm interpretado a xenofobia como uma espécie de racismo, conforme estabelece a Lei 9.459/97. Assim, é crime praticar, induzir, incitar a discriminação ou preconceito em razão da procedência regional da vítima”, afirma Enzo Fachini, advogado criminalista e mestre e especialista em direito Penal pela Fundação Getúlio Vargas.

Segundo Fachini, que também é membro efetivo da Comissão Especial de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), caso um brasileiro seja vítima do crime de xenofobia em país estrangeiro, ele deve procurar as autoridades policiais locais e os consulados e setores consulares de Embaixadas do Brasil localizadas no país estrangeiro.

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