Palmada não educa

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Violência, física ou psicológica, sempre deixa trauma

O chocante espancamento de duas meninas na Bahia, que viralizou recentemente, reabre a discussão sobre o castigo físico em crianças.

Muita gente anda dizendo “ah, mas uma palmadinha é muito diferente dessa surra". Talvez seja — mas é preciso ampliar o olhar.

Uma simples palmada já expressa o desrespeito ao direito básico da criança de crescer sem violência. E se insere num gradiente, no qual o espancamento brutal, com risco de vida, figura em um de seus extremos.

Se esse homem estivesse espancando sua esposa, um idoso ou mesmo um cachorro, creio que várias pessoas se levantariam para impedir. Por que ficamos imobilizados quando é uma criança? Além dessa crença inconsciente de que um filho é propriedade dos pais, e que não podemos nos meter, a maioria de nós sofreu essa mesma violência na infância — e ali nos vemos encolhidos, com medo, remetidos a nossos traumas quando testemunhamos uma situação como essa.

É preciso sair do caso em particular e entender a situação no Brasil. Na época do assassinato cruel do menino Henry, a Sociedade Brasileira de Pediatria revelou que em dez anos (2010 a 2020), 103.149 crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos por violência. A imensidão desse número é aterrorizante. 200 crianças de menos de 4 anos foram assassinadas por ano. Metade das 350 mil vítimas de violência em 2019 foram crianças e adolescentes. E essa é a ponta do iceberg: estima-se que apenas cerca de 10% dos casos são registrados. 70% dos agressores são pais e mães. O problema se agravou na pandemia.

Ainda vivemos numa cultura que aceita e naturaliza a violência contra a criança e o adolescente. A maioria dos pais acha legítimo o castigo físico — apesar do ECA e da Lei da Palmada proibirem.

É preciso quebrar esse ciclo. Ele é estúpido de muitas maneiras. Castigos e palmadas não funcionam. São muitos estudos em psicologia e saúde pública que atestam a ineficiência. Uma meta-análise de 2016 das Universidades do Texas e Michigan avaliou os dados de 160 mil crianças durante 50 anos, considerando apenas a palmada, e concluiu que ela afeta o cérebro de maneira semelhante a abusos físicos mais severos. Isto é, reduzindo suas conexões, prejudicando seu desenvolvimento e intensificando as reações ao estresse.

A violência severa e prolongada (física ou psicológica) causa graves danos à saúde física e mental da criança, até a vida adulta: problemas escolares, transtornos mentais como ansiedade, depressão e abuso de drogas, doenças crônicas, relacionamentos problemáticos e violentos e criminalidade.

Qualquer forma de violência gera trauma. A criança que a sofre não deixa de amar seus pais – ela deixa de se crer merecedora do seu afeto. Sua autoestima é destruída.

Bater pode até condicionar (pelo medo), mas não ensina, não educa. O que educa é diálogo, orientação, limites sem violência.

A criança está começando a compreender o mundo e suas regras. Seu cérebro é imaturo, ela não tem controle de seus impulsos. Claro que ela vai ter comportamentos inadequados e cometer erros. Castigá-la por isso é fazê-la sofrer em vez de aprender com eles. Associar o erro à violência pode gerar um adulto que se paralisa diante do medo de fracassar. É isso que queremos para nossas crianças?

A educação pode ser sempre serena. Violência, física ou psicológica, é a suprema perda de autoridade. Uma vez que fazemos uso dela, entramos num ciclo que pode se agravar e chegar a extremos perigosos.

Em vez de machucar uma criança que fez algo errado, é possível educá-la sem violência. Busque alternativas. Orientação, co-regulação, acolhimento, diálogo, empatia e muito respeito — o mesmo que se teria com qualquer adulto. Temos hoje muita gente oferecendo bom conteúdo sobre educação respeitosa nas redes sociais, cursos e livros.

Vamos respeitar as crianças e sua integridade física e moral, vamos educá-las com amor e a conexão positiva que precisam e merecem. Quebrando o ciclo de violência, você pode curar suas próprias feridas.

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