O Supremo Tribunal Federal condenou nesta quarta-feira (20) o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de prisão em regime fechado por estímulo a atos antidemocráticos e ataques a ministros do tribunal e instituições como o próprio STF.
No julgamento, nove ministros acompanharam integralmente o voto do relator Alexandre de Moraes. Além da pena de oito anos e nove meses em regime fechado, Moraes também estabeleceu perda do mandato e dos direitos políticos e multa de R$ 212 mil.
As polêmicas que envolvem Daniel Silveira
Entre os ministros do Supremo, há divergência sobre a perda do mandato. Parte entende que é automática, em razão da decisão do plenário do tribunal, cabendo à Câmara somente cumprir. Parte considera que é necessária uma autorização da Câmara. Seja de uma maneira ou de outra, informou reservadamente um ministro, só haveria efetivamente a perda do mandato depois que se esgotassem as possibilidades de recurso.
O deputado ainda pode recorrer da decisão ao próprio Supremo. A prisão só deve ser executada quando não houver mais possibilidades de recurso.
Votaram pela condenação em regime fechado o relator Alexandre de Moraes e os ministros André Mendonça, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Webe, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Embora tenha votado pela condenação, André Mendonça se manifestou a favor da prisão por dois anos e quatro meses em regime aberto.
Kassio Nunes Marques se posicionou pela absolvição.
Pouco antes do início da sessão, em pronunciamento na Câmara dos Deputados, Silveira chamou Moraes de "marginal".
Em seguida, junto com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, foi ao prédio do STF para acompanhar o julgamento.
Mas eles não puderam entrar no plenário porque uma regra em vigor no tribunal, editada em razão da pandemia, limita o acesso a ministros, integrantes do Ministério Público, servidores do STF e advogados.
Voto do relator
O ministro Alexandre de Moraes votou nesta pela condenação de Silveira a oito anos e nove meses de prisão, em regime fechado. No voto, Moraes, relator do caso, também condenou Silveira à perda do mandato e à suspensão dos direitos políticos e, além da pena de prisão, estipulou multa de R$ 212 mil.
Alexandre de Moraes destacou a "acentuada culpabilidade do réu". Ele afirmou que Silveira atuou para impedir o funcionamento do Judiciário e da democracia. O ministro disse que as condutas não podem ser tratadas apenas como uma frase jocosa, mas como "graves ameaças ao Poder Judiciário e seus integrantes”.
“A liberdade de expressão existe para manifestação de opiniões contrárias, jocosas, sátiras, para opiniões errôneas, mas não para opiniões criminosas, discurso de ódio, atentado ao Estado Democrático de Direito”, disse Alexandre de Moraes
Segundo o ministro, a Constituição garante "liberdade de expressão com responsabilidade".
"A Constituição não garante liberdade de expressão como escudo protetivo para prática de atividades ilícitas, para discurso de ódio, para discurso contra a democracia, para discurso contra as instituições. Esse é o limite do exercício deturpado de liberdade inexistente de expressão”, declarou.
Votos dos demais ministros
Nunes Marques – O ministro Nunes Marques votou pela absolvição do deputado Daniel Silveira. Mas ressalvou que não ficou caracterizado o crime de ameaça. Segundo ele, as falas não passaram de "bravatas" incapazes de intimidar qualquer pessoa. "Da narração dos fatos descritos, não se evidencia ameaça capaz de mal presente, quanto mais futuro. Pretendiam hostilizar o Poder Judiciário. Nada mais são do que ilações e conjecturas inverossímeis, não passando de bravatas. Lei exige mal grave, sério. O que se vê aqui são bravatas. É certo que o que o acusado fez é difícil de acreditar. Extrapolou e muito os limites do tolerável", afirmou. Nunes Marques manifestou "perplexidade" com a Câmara dos Deputados pela "injustificável omissão" em relação ao caso, conforme definiu.
André Mendonça – O ministro votou pela condenação de Silveira pelo crime de coação no curso do processo, considerando que houve ameaça contra autoridades. Mas divergiu em parte do relator. Ele se manifestou por uma pena menor, de dois anos e quatro meses, em regime aberto. Mendonça cobrou que o Supremo tenha rigor com ataques a outros poderes. "Assim como o Supremo merece e deve ser respeitado, essas outras instituições também merecem e devem ser respeitadas, sob pena de haver desequilíbrio no tratamento das questões que envolvem cada poder. É bem verdade que o deputado alertou que não estava fazendo ameaças ou que não estava incentivando outros a agir daquela forma, mas apenas revelando 'um desejo dele'. No entanto, pelo no contexto fica nítido o caráter de ameaça e de incentivo em muitas das suas manifestações. A mera negativa nominal de que esteja fazendo ameaças não possui condão de alterar o conteúdo do que é dito, dê-se o nome que quiser".
Edson Fachin – O ministro fez uma manifestação breve, dizendo que tinha um voto bastante "alongado" e, por isso, se limitou a dizer que acompanhava integralmente o voto do relator Alexandre de Moraes, inclusive em relação ao tempo de duração da pena.
Luís Roberto Barroso – Barroso também acompanhou o voto de Alexandre de Moraes. Ele disse que não se pode confundir liberdade de opinião com conduta criminosa. “É pacifico nesta Corte e no mundo em geral que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e precisa ser ponderada com outros valores e direitos constitucionais, inclusive a democracia, o funcionamento das instituições e a honra das pessoas. E a imunidade parlamentar como igualmente acentuou o ministro Alexandre de Moraes, não é um salvo conduto para a prática de crimes sob pena de se transformar, o Congresso Nacional em um esconderijo de criminosos. Para o ministro, é preciso descaracterizar "a narrativa de que se esteja perseguindo alguém por crime de opinião". Segundo ele, estabeleceu-se no Brasil uma crença de que "a discordância político-ideológica e o direito de crítica — que são legítimos — dão direito a mentir, dão direito a ameaçar e dão direito a caluniar. Evidentemente, é preciso enfrentar esse tipo de mentalidade porque isso não é liberdade de opinião, isso é crime em qualquer lugar do mundo".
Rosa Weber – A ministra votou pela condenação e afirmou que o julgamento representa uma defesa da democracia. "Não está em jogo aqui em absoluto a simples proteção dos juízes desta Casa enquanto integrantes transitórios da Corte, mas sim a defesa do próprio Estado Democrático de Direito, cuja existência é posta em risco quando se busca, mediante o uso da palavra, minar a independência do Poder Judiciário e, mais do que isso, a própria existência de instituição constitucionalmente concebida como último refúgio de tutela das liberdades públicas”, declarou.
Dias Toffoli – O ministro acompanhou o voto do relator. Ele afirmou que a ação de Silveira não pode ser analisada de forma isolada e que há um movimento no mundo que envolve o totalitarismo e ataques à democracia. “Assistimos nos últimos anos ataques orquestrados contra instituições, democracia e estado de direito. O que estamos a julgar, ao fim, é a defesa da democracia no nosso país. O que estamos aqui a decidir é a defesa do estado democrático de direito. Não é a defesa de um ministro ou conjunto de ministros".
Cármen Lúcia – "A imunidade não significa impunidade para se fazer o que bem entender, não significa faroeste, são condutas tipificadas. Estou acompanhando integralmente o voto do relator, com vênias da divergência", declarou a ministra Cármen Lúcia.
Ricardo Lewandowski – O ministro também entendeu que a conduta de Silveira não está abarcada pela imunidade parlamentar. "Comportamento do réu não está acobertado pela imunidade parlamentar, não pode servir de escudo para ameaças à democracia". Ele acompanhou o voto do relator.
Gilmar Mendes – O decano (mais antigo ministro) do STF, Gilmar Mendes, reforçou a tese dos colegas de que as ameaças e os atos antidemocráticos configuram crime. "Isto nada tem a ver com a liberdade de expressão. E nem está coberto pela imunidade parlamentar, que conhece claros limites", declarou. O ministro acompanhou o voto do relator e também elogiou o trabalho da Procuradoria-Geral, que pediu a abertura do inquérito e a condenação por fatos deploráveis.
Luiz Fux – O presidente do Supremo Tribunal Federal agradeceu aos colegas que abreviaram as manifestações a fim de que o julgamento terminasse nesta quarta. Ele também elogiou o trabalho de Alexandre de Moraes e acompanhou integralmente o voto do relator.
Acusação
Aliado do presidente Jair Bolsonaro, Silveira é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de coação no curso do processo, incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.
No julgamento, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, citou diversos crimes que, segundo ela, foram cometidos pelo deputado.
Ela afirmou que Silveira agiu para impedir o funcionamento do Judiciário, em especial, do Supremo Tribunal Federal, além de ter ameaçado os ministros para impedir que eles executassem atos legítimos.
Para a procuradora, a imunidade parlamentar não pode ser usada para proteger ataques a instituições.
Segundo ela, a Constituição deslegitima as condutas e discursos que, apostando na violência e na grave ameaça, substituem o método democrático.
“Não se pode permitir que a força ou violência contra membros de instituições essenciais possam ser legitimamente concedidas no espaço público. Inviolabilidade do parlamentar não alcança, a despeito dos termos abrangentes, o apelo à violência, declarações carregadas de grave ameaça”, afirmou.
Defesa
O advogado Paulo Faria afirmou que, embora tenha feito "críticas ásperas", Silveira é alvo de um julgamento político.
Ele afirmou que a imunidade do parlamentar se aplica a "quaisquer" palavras. "Querem condenar a todo custo um inocente" declarou.
"Se aconteceram excessos pessoais, eu entendo que a deve-se respeitar o princípio acusatório. O juiz não pode ser o julgador e vítima. O caminho seria representação por calúnia e difamação. Não há que se falar de coação no processo porque não houve". disse.
Faria afirmou que houve uma "atrocidade" jurídica ao longo do processo com várias violações, segundo apontou, ao direito de defesa.
"Durante todo o andar processual da ação, eu diria que 99% foi violação ao processo legal. Inúmeras manifestações da defesa, recursos, pedidos eram indeferidos sumariamente com uma linha, duas linhas", declarou.
Réu
Daniel Silveira virou réu em abril do ano passado no âmbito do inquérito sobre atos antidemocráticos. Em fevereiro de 2021, foi preso por ter publicado um um vídeo no qual defende o AI-5, instrumento de repressão mais duro da ditadura militar, e pregado a destituição de ministros do STF, ambos os atos inconstitucionais.
Ao longo do processo, o deputado teve decretadas outra prisão e medidas restritivas por descumprir ordens como a de uso de tornozeleira eletrônica e de não se comunicar com outros investigados. O deputado chegou a atacar o Supremo em novos eventos.
Em março, Alexandre de Moraes determinou que ele voltasse a ser monitorado eletronicamente e proibiu que ele participasse de eventos públicos. Silveira chegou a ficar dois dias sem sair da Câmara para evitar a medida. Só depois que Moraes determinou pagamento de multa diária de R$ 15 mil e bloqueio das contas do parlamentar, ele foi à Polícia Federal para instalar o equipamento.
Em outra frente, na Câmara, o Conselho de Ética aprovou a suspensão do mandato de Silveira por seis meses, por apologia ao AI-5. O parecer ainda não foi encaminhado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), ao plenário, que precisa analisar a decisão do conselho.