Tropas russas avançam em todas direções. Kiev ainda resiste

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Fumaça e chamas são vistas em Kiev durante novo bombardeio russo, na madrugada de sábado (26) Foto: GLEB GARANICH / REUTERS

Mais da metade das tropas da Rússia concentradas na fronteira com a Ucrânia — calculadas, logo antes da invasão, em entre 160 e 190 mil soldados — já foram deslocadas e agora participam do ataque ao país vizinho, um aumento de 50% em relação aoos soldados mobilizados na véspera, quando só um terço do contingente fora acionado, informaram autoridades de segurança americanas.

No terceiro dia de batalha, a Rússia intensificou os seus bombardeios e investiu, com ataques pontuais, contra alvos em Kiev, que registrou bombardeios e tiroteios em várias regiões ao longo do dia. Apesar da ação de grupos táticos, o grosso das tropas russas perto da capital concentra-se a cerca de 30 quilômetros ao norte, segundo a inteligência britânica, e o ataque principal ainda parece não ter começado.

Em termos nacionais, as tropas russas continuam a avançar em três eixos, do Sul, do Norte e do Leste. Os dois lados procuram emitir mensagens para prejudicar o moral do inimigo e incentivar suas próprias forças, e, embora saiba-se que há confrontos em curso, não se sabe como o Kremlin avalia sua evolução estratégica. Pelo segundo dia seguido, autoridades americanas informaram que os líderes russos se mostram frustrados com o desenvolvimento de sua campanha, que até agora evita a artilharia pesada e os bombardeios mais intensos e prioriza ataques contra alvos como aeroportos com foguetes teleguiados.

Dentro da Ucrânia, há relatos de deslocamento de artilharia pesada russa, o que pode significar em breve um aumento do uso de armas que provocam maiores estragos — e mais vítimas civis, militares e destruição indiscriminada. Desde o começo da ofensiva, as forças russas se deslocam principalmente por estradas, o que permite maior velocidade nos deslocamentos, mas aumenta a exposição a ataques.

A arma mais eficiente para a Ucrânia são lança-foguetes portáteis como os RPGs (granadas com propulsão a foguete), capazes de infringir danos em tanques e blindados. A Alemanha anunciou a doação de 400 dessas armas para a Ucrânia, pela primeira vez fornecendo armamentos para um país em conflito desde a Segunda Guerra.

Segundo a agência de notícias RIA, o Ministério da Defesa russo informou que suas unidades na Ucrânia receberam ontem a ordem de retomar sua ofensiva em todas as frentes, após uma pausa na sexta-feira. O Kremlin também informou que suas tropas intensificaram seus ataques no sábado, após terem diminuído as agressões na sexta-feira. A suposta atenuação teria sido para uma abertura diplomática: —  Uma vez que o lado ucraniano rechaçou as negociações, as forças russas retomaram o avanço nesta tarde —   afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, ignorando que a Rússia impusera a desmilitarização permanente da Ucrânia como condição para um cessar fogo, o que equivaleria a uma rendição.

Kiev sob ataque

Os ataques sobre Kiev começaram de madrugada. O Exército da Ucrânia afirmou que os russos “atacaram uma das unidades militares na Avenida Perehomy”, a segunda via mais longa da capital. “O ataque foi repelido”, acrescentaram. Não houve comentários dos militares russos. O comando da Força Aérea ucraniana relatou intensos combates perto da base aérea de Vasylkiv, no Sudoeste da capital, e disse que esteve sob ataque de paraquedistas russos.

Segundo a Reuters, um projétil atingiu uma área perto do aeroporto, danificando uma base militar. Uma testemunha também confirmou que tiros foram registrados perto de prédios governamentais no centro da cidade no amanhecer. Forças russas tentaram dominar a usina hidrelétrica de Kiev, mas há relatos divergentes sobre quem controla a instalação. Autoridades ucranianas disseram ter impedido um míssil de atingi-la.

Autoridades americanas e ucranianas informam que dois aviões russos de transporte militar Ilyushin Il-76 foram derrubados, mas não ofereceram imagens confirmando os abatimentos, o que reduz a plausibilidade da afirmação. O primeiro teria sido perto de Bila Tserva, a 85 quilômetros ao sul de Kiev. O segundo teria sido abatido perto de Vasylkiv, a 40 quilômetros ao Sul. Essas aeronaves podem transportar equipamentos ou soldados, cada uma com capacidade para 125 paraquedistas. Ainda não há informações sobre vítimas nem sobreviventes. A Rússia não se manifestou sobre os supostos episódios.

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A prefeitura de Kiev anunciou a extensão do toque de recolher, que agora será de 17h às 8h. Anteriormente, a medida era válida de 22h às 7h. Segundo uma mensagem, "todos os civis que estiverem nas ruas durante o toque de recolher serão considerados membros de grupos inimigos de reconhecimento e sabotagem". O metrô de Kiev também deixou de funcionar, e suas estações já são usadas como abrigos para a população, informaram as autoridades.

Em meio à destruição e diante da possível confirmação de civis feridos ou mortos, o Ministério da Defesa da Rússia disse em comunicado que lançou ataques com mísseis de cruzeiro durante a noite contra alvos na Ucrânia, mas alegou "visar exclusivamente a infraestrutura militar".

O corpo de um soldado do Exército russo perto de um veículo militar destruído em uma das estradas nos arredores de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, nesta sexta-feira Foto: SERGEY BOBOK / AFP

A maioria dos progressos russos continua a se concentrar no Sul.  As forças russas anunciaram a tomada da cidade de Melitopol, no Sudeste, informou a agência de notícias Interfax. Testemunhas confirmaram a entrada das tropas de Moscou, e uma bandeira da Rússia foi hasteada no prédio do governo. Isto faz da cidade de 150 mil habitantes o maior território urbano sob controle russo. Na sexta-feira, Kherson, no Sul, de 230 mil habitantes, foi ocupada, mas forças ucranianas contra-atacaram neste sábado, e jornalistas ucranianos relatam que ela está de novo sob controle do Exército de Kiev.

Cidades no Nordeste, como Sumy e Poltava, registraram confrontos ao longo deste sábado. Há poucas informações sobre Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, a apenas 65 quilômetros da fronteira com a Rússia. Sabe-se que há estradas de acesso tomadas por veículos militares russos destruídos.

O ditador da região russa da Chechênia e um dos mais fiéis aliados de Vladimir Putin, Ramzan Kadyrov, disse que tropas especiais chechenas, com cerca de 12 mil militares, foram enviadas para a Ucrânia, e aconselhou Zelensky a “pedir desculpas” a Putin: —  Faça isso para salvar a Ucrânia. Peça perdão e concorde com todos os termos estabelecidos pela Rússia — disse o ditador da região onde um movimento separatista foi esmagado por forças russas em duas guerras sanguinárias na década de 90.

É impossível ter certeza do número de vítimas da guerra. Em um discurso na televisão, um conselheiro do governo ucraniano, Mykhailo Podolyak, afirmou que a Ucrânia matou mais de 3.500 russos e capturou cerca de 200 desde o início do conflito. Oleksiy Arestovych, outro conselheiro de Zelensky, disse que as forças russas perderam cerca de 14 aeronaves, incluindo os dois aviões de transportes, oito helicópteros, 102 tanques e 536 veículos blindados.

O Ministério da Saúde da Ucrânia fala em 198 mortos civis em seu lado até agora, incluindo três crianças.

Às 21h de Kiev (16h no Brasil), o prefeito da cidade, Vitali Klitschko, disse que a situação na capital é “difícil e tensa”. Segundo as autoridades ucranianas, forças de operações especiais e sabotadores estão na cidade e trocam tiros com militares e civis. De acordo com a prefeitura, em Kiev morreram seis civis, incluindo uma criança, e 14 soldados. Há 71 feridos, incluindo 25 civis e três crianças.

Várias vezes ao dia, o presidente Volodymyr Zelensky publicou dizendo estar bem e dentro da capital, exaltando a resistência ucraniana e afirmando que a capital permanece sob o controle do Exército ucraniano. Numa mensagem à tarde gravada em frente à residência oficial, ele disse que forças ucranianas sabotaram um plano para capturá-lo, descrevendo-se como “o alvo número 1”: — Os ocupantes queriam bloquear o centro do nosso Estado e colocar marionetes no seu lugar, como em Donetsk [região separatista ao Leste]. Conseguimos desmantelar o plano deles — afiirmou. — Nós nos mantivemos firmes e repelimos com sucesso os ataques dos inimigos.

Segundo vários jornais americanos, o governo dos EUA ofereceu ajuda para retirar Zelensky de Kiev, mas por enquanto ele rejeitou a oferta. De acordo com uma autoridade americana citada pela Associated Press, após receber a proposta americana, Zelensky respondeu com confiança: — A luta é aqui. Eu preciso de munição, não de uma carona.

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