Vista da barragem e do lago de Sobradinho, na Bahia: hidrelétrica está produzindo cerca de 60% da sua capacidade por não ser possível transferir mais energia para os sistemas do centro-sul do país Foto: Daniel Marenco/25-2-2018
esponsáveis por 20% da capacidade de geração hidrelétrica no país, as usinas Belo Monte e Tucuruí, no Pará, e Sobradinho, na Bahia, literalmente jogam água fora por não ter como escoar toda a energia que podem produzir.
Enquanto isso, o país paga mais caro pela energia de termelétricas que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mantém acionadas, com as chuvas recentes que recuperaram parte dos reservatórios de hidrelétricas.
Uma delas é a termelétrica Porto Sergipe, que tira espaço das hidrelétricas nas linhas de transmissão que ligam os sistemas do Norte e do Nordeste ao centro-sul do país. Ela custa R$ 12,6 milhões por dia, R$ 378 milhões por mês.
A cifra é paga por todos os consumidores nas contas de luz, numa evidência das limitações que perduram na infraestrutura e na gestão do sistema elétrico.
Para dar uma dimensão do que isso significa, o programa adotado pelo governo para estimular a economia de energia entre setembro e dezembro gerou um bônus de R$ 2,4 bilhões, ou R$ 600 milhões por mês.
O custo mensal de uma única termelétrica é mais da metade do montante destinado a descontos nas contas de luz de 35,3 milhões de consumidores nas faturas de janeiro.
Abaixo do potencial
Maior hidrelétrica totalmente em território nacional, Belo Monte tem capacidade instalada de 11,2 mil megawatts (MW), mas sua produção diária está na casa de 8,5 mil MW, 75% da capacidade.
A usina do Pará só atinge plena capacidade em metade do ano, justamente no primeiro semestre, no período de cheia do Rio Xingu. Isso porque foi construída sem reservatório.
Outra grande hidrelétrica do país, Turucuí pode gerar até 8,3 mil MW, mas está produzindo 60% disso. Com potência instalada de 1 mil MW, Sobradinho também está gerando neste mês o equivalente a 60% da capacidade.
Linha congestionada
A geração de termelétricas é mais cara que a de hidrelétricas porque é preciso comprar o combustível (gás, diesel, carvão, entre outros) a partir do qual elas geram energia.
Com a queda drástica do nível de reservatórios de usinas provocada pela estiagem de 2021, o governo estimulou a entrada em operação de um grande número de termelétricas para evitar apagões. Agora há dificuldade de desligá-las, mesmo com melhora nos reservatórios.
Com geração na casa de 1.000 megawatts-hora médios (MWmed) por dia, a Porto Sergipe é uma das maiores termelétricas do Brasil e ocupa parte da capacidade das linhas de transmissão que enviam energia do Norte e do Nordeste para o Sudeste e o Centro- Oeste, que concentram a maior parte do consumo do país e onde os reservatórios das hidrelétricas ainda precisam se recuperar da crise hídrica.
Reservatórios se recuperam
Nos últimos dias, as termelétricas têm gerado cerca de 11 mil MWmed por dia, quase 14% do consumo diário total no país de cerca de 78 mil MWmed.
É um volume próximo ao registrado no ano passado, mesmo com uma melhora na situação hídrica (exceto na Região Sul). No Nordeste, os reservatórios estavam com 51% da capacidade em janeiro de 2021. Agora estão em 73%
No Norte, foi de 31% para 86%. No Sudeste e no Centro-Oeste, subiu de 23% no início de 2021 para 38% neste ano.
Relatório da consultoria PSR estima que os reservatórios do centro-sul vão encerrar abril (fim do período úmido) acima de 50% da capacidade, afastando o risco de racionamento neste ano e reduzindo ainda mais a necessidade de geração termelétrica.
Pelas regras do sistema elétrico, uma usina gera energia de acordo com as demandas do ONS. Por isso, diz-se no setor que o ONS “despacha” determinada unidade. As diferentes geradoras competem pelo uso das linhas de transmissão.
Como a decisão do ONS é manter o despacho de termelétricas como do a Sergipe, Belo Monte, Tucuruí e Sobradinho são obrigadas a liberar água rio abaixo sem passar pelas turbinas em vários momentos para respeitar regras de uso dos reservatórios e limitar a geração de energia ao que conseguem escoar.
Isso está ocorrendo desde o início de janeiro, de acordo com pessoas com conhecimento no assunto. Procurado na semana passada, o ONS não respondeu.
Tarifa preocupa governo
O volume de água perdido nas três hidrelétricas chamou a atenção de técnicos do governo, que não têm ingerência direta sobre o ONS, mas buscam saídas para contornar a situação.
O presidente Jair Bolsonaro está preocupado com o impacto da energia na inflação no ano em que concorre à reeleição. Incluiu a energia na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que o governo negocia com o Congresso para desonerar combustíveis.
O custo das termelétricas foi um dos principais responsáveis pela alta nas contas de luz em 2021, um dos principais vilões da inflação de pouco mais de 10% do ano passado.
Como tudo começou
Para poupar água dos reservatórios e evitar um apagão, o ONS autorizou que praticamente todo o parque térmico do país fosse acionado, incluindo usinas mais caras, movidas a diesel.
Isso gerou custos extras que obrigaram o Ministério de Minas e Energia a criar a Bandeira Tarifária da Escassez Hídrica, com taxa de R$ 14,20 a cada 100 KWh consumidos. Apesar das chuvas do verão, a bandeira deve vigorar pelo menos até abril.
As dificuldades de intercâmbio de energia ficaram evidentes já em 2021, quando Norte e Nordeste produziam energia, mas não conseguiam escoar para o centro-sul, que concentrou a crise hídrica. Foi preciso até flexibilizar critérios para aumentar a capacidade.
País precisa investir mais em infraestrutura
Um estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) calcula que o país precisa investir R$ 18,2 bilhões em projetos de transmissão até 2030 para aumentar a capacidade de escoamento de energia. São necessários 6.600 quilômetros de linhas de transmissão e quatro novas subestações até 2030.
Isso vai permitir também a distribuição da crescente geração de fontes renováveis, como eólica e solar, no Nordeste.